quarta-feira, 10 de novembro de 2010

BIOCOMBUSTÍVEIS

BIOCOMBUSTÍVEIS – PARA ALÉM DA ECOLOGIA, IMPLICAÇÕES POLÍTICAS

1 Conceito, o quê são biocombustíveis?; 2 Legislação brasileira sobre os biocombustíveis; 3 A presença dos biocombustíveis no Brasil; 3.1 Etanol no Brasil; 3.2 Biodiesel no Brasil; 4 Dilemas ecológicos e políticos do biocombustível, no Brasil e no mundo; 5 Referências bibliográficas.

1 Conceito, o quê são biocombustíveis?
Biocombustível ou agrocombustível é o combustível de origem biológica não fóssil. A produção é feita a partir de planta, mas não apenas por plantas, até mesmo derivados biológicos possuem potencial de conversão em combustível. Qualquer matéria orgânica possui uma alta carga energética, tanto a maçã que qualquer pessoa ingere quanto uma tonelada de cana-de-açúcar utilizados em usinas de produção de álcool. Para fins econômicos os biocombustíveis vem sendo explorados em escalas cada vez mais elevadas, especialmente a partir de matéria agrícola como: cana-de-açúcar, mamona, soja, canola, bagaçu, mandioca, milho e beterraba. Os biocombustíveis são fontes de energia renováveis, pois podem ser obtidos de materiais já utilizados, parcialmente utilizados ou in natura. Contudo o que realmente caracteriza como energia renovável é a relação da produção desse combustível com o meio-ambiente, na medida em que não gera desastrosos efeitos contrários à ecologia, tanto a longo como a curto prazo. Controvérsias a esse fato serão apontadas ao longo do texto.
Vale lembrar que os biocombustíveis, que são derivados de matérias agrícolas como plantas oleaginosas, biomassa florestal, cana-de-açúcar e outras matérias orgânicas, são classificados em diversos tipos. São esses: bioetanol, biodiesel, biogás, biomassa, biometanol, bioéter dimetílico, bio-ETBE, bio-MTBE, biocombustíveis sintéticos, biohidrogênio. Nesse trabalho deter-nos-emos sobre os dois primeiros tipos – bioetanol e biodiesel, este de maior impacto no Brasil.

2 Legislação brasileira sobre os biocombustíveis
Conforme apanhado da legislação pátria, o principal biocombustível a que se referem as legislações são as referentes ao bioesel. Logo abaixo há uma relação de legislação referente ao biodiesel, com destaque para a Lei 11.097 de 13 de janeiro de 2005, que dispõe sobre a introdução do biodiesel na matriz energética brasileira, conforme artigo 2º da referida Lei, “Fica introduzido o biodiesel na matriz energética brasileira, sendo fixado em 5% (cinco por cento), em volume, o percentual mínimo obrigatório de adição de biodiesel ao óleo diesel comercializado ao consumidor final, em qualquer parte do território nacional.”

Legislação e Normas sobre Biodiesel

Lei
Lei nº 11.116, de 18 de maio de 2005
Dispõe sobre o Registro Especial, na Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda, de produtor ou importador de biodiesel e sobre a incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins sobre as receitas decorrentes da venda desse produto; altera as Leis n os 10.451, de 10 de maio de 2002, e 11.097, de 13 de janeiro de 2005; e dá outras providências.
Lei nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005
Dispõe sobre a introdução do biodiesel na matriz energética brasileira; altera as Leis 9.478, de 6 de agosto de 1997, 9.847, de 26 de outubro de 1999 e 10.636, de 30 de dezembro de 2002; e dá outras providências.
Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004
Dispõe sobre a comercialização de energia elétrica, altera as Leis nºs 5.655, de 20 de maio de 1971, 8.631, de 4 de março de 1993, 9.074, de 7 de julho de 1995, 9.427, de 26 de dezembro de 1996, 9.478, de 6 de agosto de 1997, 9.648, de 27 de maio de 1998, 9.991, de 24 de julho de 2000, 10.438, de 26 de abril de 2002, e dá outras providências.

Decreto
Decreto Nº 5.457, de 06 de junho de 2005
Reduz as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre a importação e a comercialização de biodiesel.
Decreto Nº 5.448, de 20 de maio de 2005
Regulamenta o § 1 o do art. 2 o da Lei n o 11.097, de 13 de janeiro de 2005, que dispõe sobre a introdução do biodiesel na matriz energética brasileira, e dá outras providências.
Decreto Nº 5.298, de 6 de dezembro de 2004
Altera a líquota do Imposto sobre Produtos Industrializados incidente sobre o produto que menciona.
Decreto Nº 5.297, de 6 de dezembro de 2004
Dispõe sobre os coeficientes de redução das alíquotas de contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS, incidentes na produção e na comercialização de biodiesel, sobre os termos e as condições para a utilização das alíquotas diferenciadas, e dá outras providências.
Decreto de 23 de dezembro de 2003
Institui a Comissão Executiva Interministerial encarregada da implantação das ações direcionadas à produção e ao uso de óleo vegetal - biodiesel como fonte alternativa de energia.
Decreto de 02 de julho de 2003
Institui Grupo de Trabalho Interministerial encarregado de apresentar estudos sobre a viabilidade de utilização de óleo vegetal - biodiesel como fonte alternativa de energia, propondo, caso necessário, as ações necessárias para o uso do biodiesel.

Portaria
Portaria MME 483, de 3 de outubro de 2005
Portaria ANP 240, de 25 de agosto de 2003
Estabelece a regulamentação para a utilização de combustíveis sólidos, líquidos ou gasosos não especificados no País.

Resolução
Resolução ANP n º 31, de 04 de novembro de 2005
Regula a realização de leilões públicos para aquisição de biodiesel
Resolução CNPE n º 3, de 23 de setembro de 2005
Reduz o prazo de que trata o § 1º do art. 2º da Lei nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005, e dá outras providências
Resolução ANP nº 42, de 24 de novembro de 2004
Estabelece a especificação para a comercialização de biodiesel que poderá ser adicionado ao óleo diesel na proporção 2% em volume.
Resolução ANP nº 41, de 24 de novembro de 2004
Fica instituída a regulamentação e obrigatoriedade de autorização da ANP para o exercício da atividade de produção de biodiesel.
Resolução BNDES Nº 1.135 / 2004
Assunto: Programa de Apoio Financeiro a Investimentos em Biodiesel no âmbito do Programa de Produção e Uso do Biodiesel como Fonte Alternativa de Energia.

Instrução Normativa
Instrução Normativa MDA nº 02, de 30 de setembro de 2005
Dispõe sobre os critérios e procedimentos relativos ao enquadramento de projetos de produção de biodiesel ao selo combustível social
Instrução Normativa MDA nº 01, de 05 de julho de 2005
Dispõe sobre os critérios e procedimentos relativos à concessão de uso do selo combustível social.
Instrução Normativa SRF nº 526, de 15 de março de 2005
Dispõe sobre a opção pelos regimes de incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, de que tratam o art. 52 da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, o art. 23 da Lei nº 10.865, de
30 de abril de 2004, e o art. 4º da Medida Provisória nº 227, de 6 de dezembro de 2004.
Instrução Normativa SRF nº 516, de 22 de fevereiro de 2005
Dispõe sobre o Registro Especial a que estão sujeitos os produtores e os importadores de biodiesel, e dá outras providências.
Fonte: http://www.biodiesel.gov.br/ - Website do Governo Federal, Portal do Biodiesel.


3 A presença dos biocombustíveis no Brasil
Nos anos 1970, a concepção tão em voga hoje, do ecologismo, da preservação do ar, dava seus primeiros passos, tal como é pensada hoje. A preocupação com a qualidade do ar nas grandes cidades e os efeitos negativos das emissões veiculares renovou o interesse pelos biocombustíveis. Os Estados Unidos e o Brasil foram os grandes produtores e usuários do álcool combustível, enquanto que Japão e Europa mantiveram pouco interesse pelo assunto. Leis surgiram para obrigar a introdução de oxigenados na gasolina, a fim de diminuir os poluentes. O álcool não era o único, havia a competição com outros oxigenados como o MTBE (Metil Tércio Butil Éter). (LEITE e LEAL, 2007 : 16)
Na década de 1980 intensificam-se os alertas dos cientistas sobre o fenômeno do aquecimento global. Ainda que na década seguinte, surgissem veículos com a introdução da injeção eletrônica e do catalisador de três vias, reduzindo drasticamente as emissões, tornando mesmo o efeito poluidor menor, não era o suficiente, do ponto de vista ecológico, para deixar de lado a política de fontes alternativas. O outro ponto de vista, tão importante quanto o ecológico, é o do barateamento e a redução a dependência do petróleo. Nesse sentido ecologia e economia de mercado se casam. A Convenção do Clima no Rio de Janeiro, em 1992, e a assinatura do Protocolo de Quioto, foram responsáveis por, muito além de regras em prol da ecologia planetária, mas novos marcos de como o capitalismo funcionaria frente à sociedade civil, com ONGs contestando a agressão à natureza, a perspectiva de escassez do petróleo, a menor dependência dos países da OPEP. Os biocombustíveis entram diretamente nesse quadro.

“vão se inserir no mundo com, no mínimo, uma dupla responsabilidade: ajudar a reduzir a emissão de gases de efeito estuva e substituir parcialmente o petróleo para alongar sua vida útil. Hoje, os biocombustíveis em uso comercial no mundo são o etanol e o biodiesel, nos níveis de 50 bilhões de litros e 5 bilhões de litros por ano, respectivamente." (LEITE e LEAL, 2007 : 16,17)



3.1 Etanol no Brasil
O etanol (CH3 CH2OH), também chamado álcool etílico e, na linguagem popular, simplesmente álcool, é uma substância orgânica obtida da fermentação de açúcares, hidratação do etileno ou redução a acetaldeído, encontrado em bebidas como cerveja, vinho e aguardente, bem como na indústria de perfumaria. No Brasil, tal substância é também muito utilizada como combustível de motores de explosão, constituindo assim um mercado em ascensão para um combustível obtido de maneira renovável e o estabelecimento de uma indústria de química de base, sustentada na utilização de biomassa de origem agrícola e renovável.
O etanol é o mais comum dos álcoois. Os álcoois são compostos que têm grupos hidroxilo ligados a átomos de carbono sp3. Podem ser vistos como derivados orgânicos da água em que um dos hidrogênios foi substituído por um grupo orgânico.
No Brasil os índios produziam o cauim, uma fermentação da mandioca cozida ou de sucos de frutas, mastigados e depois fervidos. (Wikipédia 2010 http://pt.wikipedia.org/wiki/Etanol).
Desde os anos 1920 vem sendo utilizado no Brasil. O grande advento desse biocombustível iniciou em novembro de 1975, com o advento do Proálcool, e seu papel ficou claramente definido a longo prazo, permitindo investimentos amplos do setor privado. Já na década de 1980, chegou-se ao ponto de 90% dos carros produzidos no país serem movidos a álcool. Não há dúvidas de que a intenção do governo no projeto era substituir parte do petróleo consumido, em que na época a grossa fatia de 80% era importada.
Foi só em 2001 que o mercado do etanol no Brasil foi totalmente desregulamentado, passando a prevalecer a livre competição entre os produtores. Não havia mais tabelamentos, fixação de preços, nem cotas. Como em 2002 houve alta nos preços do petróleo, o etanol voltou a chamar a atenção do público consumidor. Para prover o próprio consumidor final de prevenção frente às oscilações dos preços do petróleo/gasolina, parte significativa dos carros novos, fabricados no Brasil vêm com a tecnologia do motor flexível ao combustível (FFV - Flex Fuel Vehicle), que permite ao motor trabalhar tanto com gasolina, etanol ou qualquer mistura dos dois. Segundo Leite e Leal, o uso de cada um depende do preço relativo "considerando que a equivalência em quilometragem é de 0,7 litro de gasolina por litro de etanol."(LEITE e LEAL, 2007 : 18)
Abaixo seguem considerações relevantes para o papel do etanol na política energética nacional. O importante é frisar o potencial brasileiro para a produção desse
combustível, e que o Brasil pode vir a ser um grande exportador de etanol.
O etanol representa cerca de 40% dos combustíveis para motores leves (ciclo Otto);
❚ Não existem subsídios para o etanol e, mesmo assim, ele consegue competir com a gasolina; os custos de produção foram reduzidos em cerca de 70% desde 1975;
❚ O Brasil é auto-suficiente em petróleo, importando diesel e exportando outros derivados;
❚ Cerca de 50% da cana moída no Brasil é usada para produzir etanol;
❚ Há uma crescente expansão do mercado externo tanto para açúcar como para etanol,sendo difícil hoje identificar o real potencial do mercado mundial de etanol;
❚ O setor sucroalcooleiro está em franca expansão: existiam 320 usinas em 2001, hoje já são 360, e 120 projetos estão em vários estágios de execução (expansões e novas usinas);
❚ O Brasil é o maior produtor de etanol de cana no mundo, mas, em produção total, fica atrás dos Estados Unidos, que usa o milho como matéria-prima;
❚ A tecnologia de produção de etanol no Brasil está totalmente madura, permitindo ainda alguns ganhos de produtividade na área agrícola e pouca coisa na área industrial; existem variedades de cana geneticamente modificadas que permitiriam grandes reduções nos custos de produção, embora não possam ser utilizadas pela morosidade do processo de liberação. (LEITE e LEAL, 2007 : 18, 19)

3.2 Biodiesel no Brasil
O biodiesel é derivado de lipídios orgânicos renováveis, como óleos vegetais e gorduras animais, para utilização em motores de ignição por compressão (diesel). É produzido por transesterificação e é também um combustível biodegradável alternativo ao diesel de petróleo, criado a partir de fontes renováveis de energia, livre de enxofre em sua composição. É obtido a partir de óleos vegetais como o de girassol, nabo forrageiro, algodão, mamona, soja.
A tecnologia de fabricação do biodiesel está em desenvolvimento avançado no Brasil. A Petrobrás investe na tecnologia para a produção de biodiesel, e o país conta com uma vasta sorte de combustível orgânico. O próprio governo federal, através do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel(PNPB), promove o biocombustível como política estratégica, no próprio sítio oficial na Internet, o programa é destacado como "O novo combustível do Brasil".
Acredita-se que, para o futuro, este combustível possa, aos poucos, substituir nos veículos, os combustíveis fósseis. Trata-se de um grande avanço em busca da diminuição da poluição do ar. Vejamos algumas das principais vantagens do biodiesel:
- A queima do biodiesel gera baixos índices de poluição, não colaborando para o aquecimento global;
- Gera emprego e renda no campo, diminuindo o êxodo rural;
- Trata-se de uma fonte de energia renovável, dependendo da plantação de grãos oleoginosos no campo;
- Deixa as economias dos países menos dependentes dos produtores de petróleo;
- Produzido em larga escala e com uso de tecnologias, o custo de produção pode ser mais baixo do que os derivados de petróleo;

Se o etanol promove a substituição do uso da gasolina, o biodiesel no Brasil, é a substituição do uso do óleo diesel. Mesmo junto ao projeto do Proálcool na década de 1970, tentou-se estimular o biodiesel. Sem sucesso. A dificuldade é maior, sobretudo porque o óleo diesel tinha preço menor na época. Assim que a produção e consumo do biodiesel cresceram na Europa, o Brasil reapresentou seu interesse, até pelo forte potencial energético do país, com muitas matérias primas à produção dessa vertente de biocombustível. Em 6 de dezembro de 2004 foi lançado oficialmente o Programa Nacional de Produção de Biodiesel, regulamentado pela Lei n. 11097, de 2005.
"O programa estabeleceu a obrigatoriedade do uso de 2% de biodiesel misturado ao petrodiesel a partir de 2008 e de 5% a partir de 2013; esta última data poderá ser antecipada dependendo da capacidade de produção instalada. Para favorecer o pequeno produtor, o programa definiu impostos diferenciados dependendo da origem da matéria-prima, sendo o maior desconto para a produzida por pequenos produtores no Norte-Nordeste. O grande produtor não teria benefícios fiscais,sendo a taxação igual ao do diesel mineral.O produtor de biodiesel, para receber os benefícios fiscais no preço de venda nos leilões, precisa possuir o Selo Social que assegura o atendimento dos requisitos impostos pela lei." (LEITE e LEAL, 2007 : 5).

O Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) é um programa interministerial do Governo Federal que objetiva a implementação de forma sustentável, tanto técnica, como economicamente, a produção e uso do Biodiesel, com enfoque na inclusão social e no desenvolvimento regional, via geração de emprego e renda. A própria utilização de óleos vegetais da região semi-árida do Nordeste, além de tornar-se a matéria prima para o biodiesel, com o uso da mamona, promoveria forte incremento na economia regional, não só no Nordeste, como em demais regiões. No caso da mamona, foi provado que possui boas condições de plantio no Rio Grande do Sul. (SILVA e FREITAS, 2008).
Principais diretrizes do PNPB, segundo o governo federal:
• Implantar um programa sustentável, promovendo inclusão social ;
• Garantir preços competitivos, qualidade e suprimento;
• Produzir o biodiesel a partir de diferentes fontes oleaginosas e em regiões diversas.
(Fonte: http://www.biodiesel.gov.br/)
Ainda segundo o governo federal esse projeto é composto de uma base tecnológica de ponta, junto a pesquisas nas universidades, Petrobrás, e demais institutos, há também três colunas de sustentação ao projeto do biodiesel: o ambiental, o mercadológico, e de modo mais denso o social. Na integração desses componentes é que o projeto do governo procura se estabelecer. O financiamento parte do BNDES, e conta com uma perspectiva de pontencial muito grande, não só para o mercado interno, como para exportar. Hoje, 10% do diesel consumido no Brasil são importados. É o combustível mais utilizado nos transportes no país. Desse modo o biodiesel permite a economia de divisas com a diminuição ou fim de importação do óleo diesel, e poderá ser fonte de matéria exportadora. As condições energéticas, e, em partes, tecnológicas já estão dadas. Países europeus e os Estados Unidos já utilizam o combustível de forma significativa. A União Européia, por exemplo, definiu que 5,75% do percentual de combustíveis deverá ser de combustíveis renováveis, para esse ano de 2010.

Para se ter uma dimensão da importância dessa atual política energética, para o atual governo, e de como o projeto de trabalho se propõe integrado, segue abaixo a estrutura gerencial do PNPB, com a relação de todos os ministérios envolvidos. E um quadro do plano de trabalho.

“Compete à Comissão Executiva Interministerial (CEIB) elaborar , implementar e monitorar programa integrado, propor os atos normativos que se fizerem necessários à implantação do programa, assim como analisar, avaliar e propor outras recomendações e ações, diretrizes e políticas públicas. Ao Grupo Gestor compete a execução das ações relativas à gestão operacional e administrativa voltadas para o cumprimento das estratégias e diretrizes estabelecidas pela CEIB.
A Comissão Executiva Interministerial subordina-se à Casa Civil da Presidência da República e é integrada por um representante dos seguintes órgãos:
• Casa Civil da Presidência da República , que a coordenará;
• Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica da Presidência da República;
• Ministério da Fazenda;
• Ministério dos Transportes;
• Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;
• Ministério do Trabalho e Emprego;
• Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior;
• Ministério de Minas e Energia;
• Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;
• Ministério da Ciência e Tecnologia;
• Ministério do Meio Ambiente;
• Ministério do Desenvolvimento Agrário;
• Ministério da Integração Nacional;
• Ministério das Cidades;
• Ministério do Desenvolvimento Social.

O Grupo Gestor, coordenado pelo Ministério de Minas e Energia, é integrado por um representante de cada órgão e entidade, como segue:

• Ministério das Minas e Energia;
• Casa Civil da Presidência da República;
• Ministério da Ciência e Tecnologia;
• Ministério do Desenvolvimento Agrário;
• Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior;
• Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;
• Ministério da Fazenda;
• Ministério do Meio Ambiente;
• Ministério da Integração Nacional;
• Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;
• Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES;
• Agência Nacional do Petróleo - ANP;
• Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobras;
• Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa;
• Ministério do Desenvolvimento Social
(GOVERNO FEDERAL, http://www.biodiesel.gov.br/)

Contudo cabe dizer que o projeto não vem sendo operado como planejado. Faltou tecnologia, ou mesmo preocupação com um trabalho mais cuidadoso a respeito do estudo da mamona, segundo analistas (SILVA e FREITAS, 2008). Já que a mamona é uma planta exótica, pouco estudada no Brasil. Desse modo a soja aparece como a grande base de matéria prima. O que é ruim do ponto de vista social, alimentar e mesmo ecológica, tendo em vista como o plantio da soja no Brasil avança frente a Floresta Amazônica. E ainda que retomado o projeto original de plantas do semi-árido, como a própria mamona, em comparação com a cana-de-açúcar, a distância é bastante grande. O dendê e o côco têm grande potencial produtivo para biocombustíveis, e advêm de plantas perenes, mas carecem de maior espaço para produção.
“Outro ponto importante na sustentabilidade do biocombustível é a necessidade de terras para produzi-lo.Comparando o etanol de cana-de-açúcar com o biodiesel de mamona vemos que um hectare cultivado com cana produz mais de 6 mil litros por ano de etanol,ao passo que esse mesmo hectare plantado com mamona proporciona apenas
500 litros de biodiesel. Dessa forma, os 13 bilhões de litros de etanol combustível que substituem cerca de 40% da gasolina utilizam pouco mais de 2 milhões de hectares de cana; para substituir 40% do diesel consumido no Brasil, ou seja, 16 bilhões de litros, seriam necessários 32 milhões de hectares plantados com mamona, o que representa
cerca da metade da área cultivada no nosso país.”(Leal e Leite: 2007, 20).

O biodiesel segue como forte potencial de produção no Brasil. No entanto, continua sendo cara a sua produção, especialmente se comparado ao etanol. Ademais, na prática, precisa de mais investimentos tecnológicos, sobretudo sobre as plantas a serem utilizadas. Todo produto natural possui um complexo de utilidades, como a cana-de-açúcar, que dá o açúcar, o álcool, a fibra. Mas para que isso acontecesse, foram anos de estudos, trabalhos em laboratórios, e muito investimento. A necessidade de diversificação é clara, não se pode ficar na dependência da cana-de-açúcar e da soja, pois essa é uma dependência do próprio país a poucos – donos de terras, proprietários do agrobusiness, e poucas empresas. A diversificação, tanto do ponto de vista econômico, quanto o energético, é uma urgência!

4 Dilemas ecológicos e políticos do biocombustível, no Brasil e no mundo
O biocombustível, como solução ecológica, é parte de uma escolha política. As conseqüências nas outras dimensões comerciais, das relações internacionais, produção de alimentos, e de modo geral políticas, são grandes. De um lado porque a estrutura do modo capitalista de produção não surgiu junto a uma perspectiva de sustentabilidade, de integração com o meio ambiente, contudo a natureza foi sempre sinônimo de reserva, para onde se parte a fim de reabastecer as indústrias e comércio da forma mais barata possível. Por outro lado, inserir novo modo de funcionamento ao sistema pode comprometer outros de modo crucial, e a coordenação não pode ser da mesma maneira clássica: vale o que vende mais, porque lucra mais. O controle do Estado é importante para orientar as políticas de substituição de combustíveis fósseis por renováveis, para que situações bizarras não aconteçam. Para esclarecer os argumentos desse parágrafo, faz-se mister, além de outros comentários abaixo, nos reportaremos a exemplos que mostram essas tais situações bizarras, tal como a “Revolta das Tortillas” no México, quando entre 2006 e 2007 o preço das tortillas, um dos alimentos mais tradicionais do povo mexicano, atingiu uma escala de preços altíssima, provocando uma crise de alimentos. Isso aconteceu porque o milho, matéria prima para a fabricação das tortillhas, foi destinado em grande parte para a produção de biocombustível à economia norte-americana. Abaixo partes de um artigo do periódico El País, de 2007 sobre a questão:

“O aumento do preço do milho importado dos Estados Unidos, que disparou em 150%, ameaça provocar uma explosão social(...).
(...) Os protestos se fizeram sentir em diversos pontos do país, o tema chama a atenção dos meios de comunicação e está na boca de todos. O quilo de tortillas, cujo preço médio habitual não ultrapassa os sete pesos (0,005 euro), chegou a 18 pesos no Estado de Baja Califórnia.
Os donos das tortillarias (há cerca de 70 mil em todo o país) e dos moinhos de nixtamal, onde se mói o milho para convertê-lo em massa com a qual se fazem as tortillas, juram que não têm culpa pelo aumento dos preços. (...)
O presidente Calderón mobilizou os membros do Gabinete Econômico e o governador do Banco do México, Guillermo Ortiz, para estabilizar o preço da tortilla. É questão de três semanas, garantiu o Ministro da Economia, Eduardo Sojo. Mas o Partido da Revolução Democrática (PRD), principal partido da oposição, já se apressou em pedir a demissão do ministro “por incapacidade e traição aos mexicanos”, e pedirá hoje no Senado que seja declarado o estado de emergência no México, tanto pelo aumento do preço das tortillas como pela violência do narcotráfico. Os perredistas lembraram que a alimentação de dez milhões de pobres depende das tortillas de milho.
As autoridades mexicanas assinalam que a origem do problema está no aumento da demanda de milho para a produção de etanol como combustível nos Estados Unidos, maior produtor e exportador mundial do grão. Às 110 fábricas de etanol em funcionamento nos Estados Unidos se somarão, nos próximos 18 meses, outras 63 refinarias em construção, razão pela qual alguns analistas prognosticam que o vizinho do norte não terá milho suficiente para exportação.
(...) O jornal Milenio fazia ontem o seguinte cálculo: um quilo de milho permite a elaboração de cerca de 40 tortillas. De 650 mil toneladas de grão se obterão 36,40 bilhões de tortillas. O consumo médio por pessoa é de nove tortillas diárias, o que significa que os 100 milhões de mexicanos comem cerca de 900 milhões de tortillas cada dia. A quantidade que o Governo decidiu importar será suficiente para apenas 40 dias.
As autoridades prometeram mão firme contra os abusos especulativos – há mais que suspeitas da existência de milho armazenado que não foi posto à venda – e criaram um sistema para acompanhar os preços das tortillas. Rocío Ruiz, subministra da Indústria e Comércio, fala da necessidade de “uma reacomodação produtiva” para obter uma melhor distribuição e reorganização da produção de milho em outras zonas do México. “Preocupa-nos que Sinaloa concentre a produção no tempo e no espaço”, disse a vice-ministra. “Em dois meses toda a produção tem que sair, por isso a distribuição é subsidiada”. (EL PAÍS, 2007)

É fato que ocorre um conflito entre a produção de biocombustíveis como solução ecológica e a produção de alimentos. Não à toa diversas ONGs, organismos internacionais como OCDE e FAO questionam o uso dos biocombustíveis. Pode-se depreender desses questionamentos é que entram no âmago da relação ilógica que existe entre produção de alimentos e o quê será feito com essa produção. Em um mundo onde milhares passam fome, onde o primordial deve ser a alimentação a todos de maneira irrestrita, sem barreiras, a produção de biocombustíveis pode aparecer como um competidor. Mais uma vez, enquanto vigorar a máxima de que o destino da matéria-prima segue para onde o lucro for maior, esse dilema se perpetuará.
Segundo o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) sobre as perspectivas da agricultura mundial na próxima década, divulgado em 2007, pode-se verificar uma alta de preços para alguns produtos, com destaque para os cereais. Analisando o que se passou até agora, a seca em alguns países produtores de cereais e a redução de excedentes devido à procura chinesa e à reforma da Política Agrícola Comum da União Europeia (PAC) explicam os recentes picos nos preços de algumas matérias-primas. "Mas, olhando para o longo prazo, as mudanças estruturais que estão ocorrendo vão manter os preços altos para muitos produtos agrícolas na próxima década", diz o relatório. Que mudanças são estas? "A redução dos excedentes e um declínio dos subsídios à exportação contribuem para essas alterações, mas o mais importante é a crescente utilização de cereais, açúcar, oleaginosas e óleos vegetais para produzir substitutos para os combustíveis fósseis, isto é, etanol e biodiesel." O que levará a preços mais altos das culturas, afetando, por arrasto, a alimentação animal, o que se irá refletir nos custos finais. (Wikipédia, Biocombustíveis, 2010)
Hoje as perspectivas não são boas para o futuro, como se vê de relatório da União Européia sobre o tema, mostra que a quantidade de oleaginosas usadas para biodiesel deve aumentar dos atuais dez milhões de toneladas para vinte e um milhões dentro de dez anos. Nos Estados Unidos, o etanol feito a partir do milho vai duplicar até 2016, enquanto, no Brasil, os vinte e um bilhões de litros hoje produzidos saltarão para quarenta e quatro bilhões. O relatório sublinha ainda que, na maior parte dos países temperados, a produção de etanol e biodiesel não é viável economicamente sem apoios públicos. O que significa que as decisões políticas que forem tomadas a curto prazo poderão modificar o cenário descrito no estudo. A introdução de novas tecnologias e o preço de petróleo são outras duas variáveis que também contribuem para que ainda persistam muitas incógnitas sobre o futuro deste novo mercado. (Wikipédia, Biocombustíveis, 2010)
A água também corre riscos frente aos biocombustíveis. Na Conferência Internacional da Água, 2007, a agência de notícias britânica BBC resgatou diversas declarações sobre o tema, onde constatou-se que os biocombustíveis influenciariam no aceleramento das próprias mudanças climáticas, tendo em vista a alta quantidade de água necessária para a sua produção.
"Atualmente a quantidade de água usada em todo o mundo na produção de alimentos é da ordem de 7 mil m³. Em 2050, a previsão é de que essa quantidade aumente para 11 mil metros cúbicos, o que significa quase o dobro da água utilizada hoje", diz Lundqvist.
"E as projeções indicam que a água necessária para produzir biocombustíveis crescerá na mesma proporção que a demanda de água por alimentos, o que representaria a necessidade de 20 a 30 milhões de km³ em 2050. E isto não é possível", ressalta o cientista sueco diretor do Comitê Científico do Instituto Internacional da Água de Estocolmo (SIWI).

O professor Peter Rogers, da Universidade de Harvard, alertou em entrevista à BBC Brasil disse que a produção de biocombustíveis pode representar uma séria pressão adicional sobre o uso da irrigação em todo o mundo, além das conseqüências para a oferta de alimentos. Até o ano 2050 a população mundial deverá crescer em até três bilhões de pessoas, um aumento de 50%.
"A população mundial dobrou desde os anos 60 até agora. No mesmo período, o consumo de água aumentou seis vezes. Chegamos ao ponto em que já se usa mais da metade dos recursos de água doce existentes no mundo. Quando a população global for novamente dobrada em quantidade, de onde virá a água?" adverte Rogers. (Fonte: BBC Brasil, 2007, Sítio da Internet)

As diversas conferências, e demais encontros políticos, científicos ou institucionais, que debatem acerca da produção dos biocombustíveis, quando tomados a partir de um ponto de vista mais crítico, são unânimes em apontar suas mesmas deficiências. Se para muitos os biocombustíveis vêm para salvar o meio ambiente, sem regulação, só servirá para competir. É quase consenso também apontar que a regulação por parte dos países, das organizações de controle internacional, se façam presentes e evitem catástrofes mais de maior escala a curto e longo prazo.
A regulação deve entrar no sentido de evitar a competição, que ocorre em todos os âmbitos do capitalismo, e é quase condição inerente para o mesmo. Portanto, uma competição dentre alimentos, recursos naturais e indústria do biodiesel, não é saudável, ao contrário, é uma situação destruidora.
“À exemplo da competição que existe entre o álcool combustível e o açúcar, os preços do biodiesel e dos alimentos derivados de grãos oleaginosos podem passar a competir no mercado. Segundo o DIEESE, o preço do álcool no Brasil passou de menos de R$1,00 em março de 2005 para mais de R$1,60 em março de 2006. Esse aumento é justificado pela valorização do açúcar no mercado internacional que, no mesmo período, passou de menos de US$ 0,22kg-1 para US$0,47kg-1.”(SILVA e FREITAS, 2008: 850)

Não se pode olvidar também do aspecto mais humano da cruel produção de biocombustíveis. Além de comprometer a produção de alimentos em muitas regiões do planeta, boa parte da produção advém de usinas, empresas, fazendas e outros pontos de produção que fazem uso de mão-de-obra semi-escrava. É o caso cadente, e próximo da realidade brasileira, para não termos que ir ao continente africano, é a exploração dos bóias-frias nas usinas de cana-de-açúcar. É preciso lembrar que a cana é um commoditie de alto valor no mercado, mas os trabalhadores são submetidos a jornadas exaustivas, com salários menores que o mínimo em lei e nas piores condições de salubridade. Qualquer um que vá à cidade de Campos dos Goytacazes, por exemplo, é capaz de encontrar essa triste realidade. E não em 1970, 1980, 2000, não só aí, mas hoje, quem for em outubro de 2010 Basta procurar o resultado de pesquisas realizadas pelo Instituto de Economia da UFRJ (IE-UFRJ), coordenadas pelo professor Roberto Novaes, que mostram a situação rotineira desse grave problema.
No entanto, ainda com todas as preocupações ambientais e humanas da mais alta relevância, não se pode abandonar a experiência da produção de biocombustíveis. Até porque se bem integrados e equilibrados com a economia básica, deixando as reservas suficientes para os alimentos, para os recursos hídricos, para as florestas, e, sobretudo, utilizando-se mais de matérias-primas alternativas – como materiais já utilizados, como o lixo. Exemplo, essa boa notícia publicada pelo jornal Folha de São Paulo, em 2010: “Escoceses desenvolvem biocombustível com resíduos de uísque”.
Também é fato que a dependência irrestrita do petróleo não pode prosseguir. A matriz precisa ser diversificada. “O Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil (2005), a matriz energética mundial tem participação de 80% de fontes de carbono fóssil, sendo 36% de petróleo. No Brasil, a participação do petróleo é ainda maior, na ordem de 43%.” (SILVA e FREITAS, 2008 : 844).
Acredito que há um aspecto anterior a todos os outros que pode dar o sustento a uma dinâmica diferente entre biocombustíveis e meio ambiente. Não só controle, regulação por parte dos governos e organismos nacionais e internacionais, são importantes. Mas só uma transformação drástica nos modos de vida consumista das sociedades poderá “salvar” o modo de produção da atual economia, ainda que o capitalismo como sistema não mais nos sirva. Se tudo é criado conforme a demanda, se sempre os sujeitos ávidos por consumo, demandarem os produtos dos mesmos modos que se faz hoje, a perspectiva é crítica. E desse modo ficaríamos naquela situação que dizia Carlos Drummond de Andrada no poema “Elegia 1938”: “...e adiar para o outro século a felicidade coletiva...”.



5 Referências bibliográficas
SILVA, Paulo R. Ferreira e FREITAS, Thais F. Stella de. Biodiesel: o ônus e o bônus de produzir combustível. Ciência Rural, Santa Maria, v.38, n.3, p.843-851, mai-jun, 2008.
LEITE, Rogério Cezar de Cerqueira e LEAL, Manoel Régis L. V. O biocombustível no Brasil. NOVOS ESTUDOS – CEBRAP, São Paulo, 78, pp. 15-21, julho 2007.
EL PAÍS. (periódico) “Os mexicanos mais pobres vão ficar sem tortilhas”. Em 20.01.2007. Madrid, 2007 (traduzido do espanhol).
BRASIL. Lei nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005. Imprensa Nacional, Brasília, 2010.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Imprensa Nacional, Brasília, 2010.
INTERNET: Wikipédia – Enciclopédia “a enciclopédia livre”. http://pt.wikipedia.org/wiki/Biocombust%C3%ADvel, acesso em 18.10.2010.
INTERNET: Website do Governo Federal do Brasil, Projeto do Biodiesel : http://www.biodiesel.gov.br/, acesso em 11.10.2010.
INTERNET: BBC Brasil – “Conferência: biocombustível causaria falta de água” – notícia de 13 de agosto de 2007 : http://www.bbcbrasil.com, acesso em 30.09.2010.
INTERNET: FOLHA DE SÃO PAULO – “Escoceses desenvolvem biocombustível com resíduos de uísque” – notícia de 18 de agosto de 2010 : http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/784801-escoceses-desenvolvem- biocombustivel-com-residuos-de-uisque.shtml, acesso em 11.10.2010.
INTERNET: Artigo de Cristiane Façanha, no Painel Ciência & Cultura Maio/2004. http://www.ipef.br/tecprodutos/biocombustivel.asp em 11.10.2010.
INTERNET: Website MERCADOÉTICO do Portal Terra – “Biocombustíveis devem ir além do cumprimento da legislação”. http://mercadoetico.terra.com.br/arquivo/biocombustiveis-devem-ir-alem-do-cumprimento-da-legislacao. Acesso em 11.10.2010.


Setembro.2010

Fichamento com Resenha - FOUCAULT : VIGIAR E PUNIR




PRIMEIRA PARTE – SUPLÍCIO
Cap I – O CORPO DOS CONDENADOS
- Religião e aprisionamento. Ordem temporal junto a ordem religiosa, espiritual.
- Apresentação de um exemplo de suplício e de utilização do tempo. Definição de um estilo penal.
“... É a época em que foi redistribuída, na Europa e nos Estados Unidos, toda a economia do castigo. Época de grandes “escândalos” para a justiça tradicional, época dos inúmeros projetos de reformas; nova teoria da lei e do crime, nova justificação moral ou política do direito de punir; abolição das antigas ordenanças, supressão dos costumes; projeto ou redação de códigos “modernos”: Rússia, 1769; Prússia, 1780; Pensilvânia e Toscana, 1786; Áustria, 1788; França; 1791, Ano V, 1808 e 1810. Para a justiça penal, uma era nova.”(11,12)
Desaparecimento dos suplícios. Caráter de “humanização”. Acabou o espetáculo do corpo esquartejado, o corpo como alvo principal da repressão penal.
Dentre os séculos XVIII e começo do XIX a festa da punição vai-se extinguindo.
1) Supressão do espetáculo punitivo.
2) Anulação da dor.
Aplicação da pena como um novo ato de procedimento ou de administração. A punição vai-se tornando, pois, a parte mais velada do processo penal. “...deixa o campo da percepção quase diária e entra no da consciência abstrata; sua eficácia é atribuída à sua fatalidade não à sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro; a mecânica exemplar da punição muda as engrenagens.”13
Na França, por exemplo, foi até 1831, ela foi finalmente abolida em abril de 1848. Isso para não mais fazer do suplicado um objeto de piedade e de admiração.
Torna-se pouco glorioso punir. “A execução da pena vai-se tornando um setor autônomo, em que um mecanismo administrativo desonera a justiça, que se livra desse secreto mal-estar por um enterramento burocrático da pena.”13 O essencial passa a ser, “curar”, reeducar, corrigir.
Faz-se uma nova relação castigo-corpo. A prisão, a reclusão, os trabalhos forçados, a servidão de forçados, a interdição de domicílio, a deportação – são penas “físicas”: com exceção da multa, se referem diretamente ao corpo. Mas é a relação é diferente da anterior, quando nos suplícios. O corpo torna-se instrumento ou função de intermediário.
Sistema de coação e de privação, de obrigações e de interdições.
Autor comenta sobre a utopia do pudor judiciário: tirar a dor sem fazer sofrer o réu, sentido da penalidade “incorpórea”.
Duplo processo dos rituais modernos de execução capital – supressão do espetáculo, anulação da dor.
A guilhotina utilizada a partir de março de 1792 faz parte dessa tecnologia de execução penal a fim de obedecer a três significações. 1) morte igual para todos; 2) uma só porte por condenado, sem recorrer a esses suplícios; 3) o castigo unicamente para o condenado, pois a decapitação, pena dos nobres, é a menos infamante para a família do criminoso.
Desaparece, em princípio do século XIX, o grande espetáculo da punição física. Entramos na época da sobriedade punitiva.
A redução do suplício é uma tendência com raízes na grande transformação de 1760-1840. Ainda que a prática da tortura se fixou por muito tempo – e ainda continua – no sistema penal francês.
Mesmo depois do fim do suplício sempre funcionaram certos complementos punitivos referentes ao corpo: redução alimentar, privação sexual, expiação física, masmorra.
Afrouxamento da severidade penal. Certamente por mudança de objetivo. Realidade nova, incorpórea, pois não é mais o corpo, é a alma. Princípio de Mably “Que o castigo, se assim posso exprimir, fira mais a alma do que o corpo”.
“Circunstâncias atenuantes” – julgamento mediante essas circunstâncias, que introduzem no veredicto não apenas elementos “circunstanciais” do ato, mas coisa bem diversa, juridicamente não codificável: o conhecimento do criminoso, a apreciação que dele se faz, o que se pode saber sobre suas relações entre ele, seu passado e o crime, e o que se pode esperar dele no futuro.”19
Aplicação dessas “medidas de segurança” que acompanham a pena (proibição de permanência, liberdade vigiada, tutela penal, tratamento médico obrigatório) e não se destina a sancionar a infração, mas a controlar o indivíduo...20
A alma do criminoso é invocada, para julgá-la e fazê-la participar da punição. Com isso os juízes passaram a fazer algo diferente do que julgar. Apreciação do acusado, foi acolhida no sistema do juízo penal.
O louco, não pode ser culpado e louco, ao mesmo tempo. Então o poder da justiça era retirado sobre o autor do ato, quando o mesmo era demente. Os próprios efeitos desse exame, como a suspeita de demência, deveriam ser feitas de modo exterior e anterior à sentença. Portanto o juiz ou magistrado de nossos dias – faz outra coisa, bem diferente de “julgar”.
E não o faz mais sozinho, há diversas instâncias anexas. Dentre essas, esferas psiquiátricas e psicológicas. Faz-se tratamentos “médico-judicial”, perícia psiquiátrica.
Portanto o poder de julgar foi, em parte, transferido a instâncias que não são as dos juízes da infração”.23
Enfim, surgem novas técnicas na prática do pode de punir.
“Objetivo deste livro: uma história correlativa da alma moderna e de um novo poder de julgar; uma genealogia do atual complexo científico-judiciário onde o poder de punir se apóia, recebe suas justificações e suas regras, estende seus efeitos e mascara sua exorbitante singularidade.”23
O presente estudo obedece a quatro regras gerais:
1) Não centrar o estudo dos mecanismos punitivos unicamente em seus efeitos “repressivos”... tomar a punição como uma função social complexa.
2) Analisar os métodos punitivos não como simples conseqüências de regras de direito ou indicadores de estruturas sociais; mas como técnicas... Adotar em relação aos castigos a perspectiva da tática política
3) Tratar a história do direito penal e das ciências humanas, dentro de uma possível matriz comum. Colocar a tecnologia do poder no princípio tanto humanização da penalidade quanto do conhecimento do homem.
4) Verificar se a entrada de um saber “científico” na prática judiciária, não é o efeito de uma transformação de como o corpo é investido pelas relações de poder.
Tecnologia política do corpo, onde se poderia ler uma história comum das relações de poder e das relações de objeto.
A penalidade não é uma maneira de reprimir os delitos.
Analisar os “sistemas punitivos concretos”, estudá-los como fenômenos sociais...
As medidas punitivas não são apenas mecanismos “negativos” que permitem reprimir, impedir, excluir, suprimir...
Rusche e Kirschheimer estabeleceram a relação entre os vários regimes punitivos e os sistemas de produção. Economia servil – escravidão “civil” ao lado da que é fornecida pelas guerras ou pelo comércio; feudalismo – castigos corporais; economia de comércio – a casa de correção, o Hospital Geral, o Spinhuis ou Rasphuis, o trabalho obrigatório, a manufatura penal.
“Economia política” do corpo – pois de algum modo é sempre do corpo que se trata. Envolvimento de relações de poder e de dominação, que passam pelo corpo. “...o corpo só se torna força útil se é ao mesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso.”26 Há um saber e um controle do corpo que constituem a tecnologia política do corpo. E faz parte de uma tecnologia difusa.
Fala em “microfísica” do poder. Discussão acerca da relação poder-saber... “Resumindo, não é a atividade do sujeito de conhecimento que produziria um saber, útil ou arredio ao poder, mas o poder-saber, os processos e as lutas que o atravessam e que o constituem, que determinam as formas e os campos possíveis do conhecimento.”27
É preciso considerar as práticas penais mais como um capítulo da anatomia política, do que uma conseqüência das teorias jurídicas.
O Rei é o caso de um “corpo duplo”. Tem o “mais poder” político, da condição de rei, e o seu próprio corpo. [vale lembrar que há, em casos mais que os outros, uma simbologia do poder, do Estado, marcante para pensar a duplicidade do corpo de certos agentes].
Genealogia da “alma” moderna.
Comentário sobre as revoltas na época em que escrevia esse livro [1975]. E afirma que não quer fazer anacronismo histórico, ao estudar o processo prisional.
Cap II – A OSTENTAÇÃO DOS SUPLÍCIOS
Hierarquia dos castigos. As penas físicas tinha, portanto, uma parte considerável. A maior parte das condenações era banimento ou multa, no entanto. Ora, grande parte dessas penas não corporais era acompanhada a título acessório de penas que comportavam uma dimensão de suplício...
Suplício... “Pena corporal, dolorosa, mais ou menos atroz [dizia Jaucourt]; e acrescentava “é um fenômeno inexplicável a extensão da imaginação dos homens para a barbárie e a crueldade.””31 Para ser suplício deve obedecer a três critérios principais: 1) certa quantidade de sofrimento; 2) morte como não simplesmente privação do direito de viver; 3) a morte-suplício é a arte de reter a vida no sofrimento.
Há um código jurídico da dor, a pena é calculada de acordo com regras detalhadas.
Liturgia punitiva acerca do suplício, obedece a duas exigências. 1) em relação à vítima, ele deve ser marcante... 2) não reconcilia...
“O suplício penal não corresponde a qualquer punição corporal: é uma produção diferenciada de sofrimentos, um ritual organizado para a marcação das vítimas e a manifestação do poder que pune... Nos “excessos” dos suplícios, se investe toda a economia do poder. ”32
O corpo suplicado se insere no cerimonial judiciário a fim de trazer à luz a verdade do crime.
PROCESSO silencioso: “Na França, como em na maior parte dos países europeus – com a notável exceção da Inglaterra – todo o processo criminal, até à sentença, permanecia secreto: ou seja opaco não só para o público mas para o próprio acusado... Na ordem da justiça criminal, o saber era privilégio da acusação”32
Ayrault supunha que esse procedimento tinha por origem... “o medo dos tumultos, das gritarias e aclamações que o povo normalmente faz, o medo de que houvesse desordem, violência e impetuosidade contra as partes talvez até mesmo contra os juízes;” 33
O Rei quereria mostrar com isso a “força soberana”, ao ocultar o processo, pois diante da justiça do soberano, todas as vozes devem-se calar.
Tipos de prova, encontradas ainda no século XVIII. E para cada uma havia um tipo de condenação, segundo um cálculo, como uma aritmética penal meticuloso. Desse modo havia tipos definidos de efeitos judiciários:
- as provas verdadeiras, diretas ou legítimas: podem acarretar qualquer tipo de condenação
- as provas manifestas
- as provas consideráveis
- as provas imperfeitas ou ligeiras
- as provas “urgentes e necessárias”, que não permitem duvidar da verdade do fato
- indícios próximos ou provas semiplenas, consideradas verdadeiras enquanto o acusado não as destruir com uma prova contrária: podem acarretar penas físicas infamantes, jamais a morte.
Mas duas provas semiplenas, podem fazer uma prova concreta, nesse cálculo penal
- indícios longínquos ou “adminículos” que consistem apenas no parecer dos homens: bastam para fazer “decretar” o suspeito, para fazer contra ele investigações.
Sistema especializado. Arte complexa que obedece a regras especializadas, reforça o princípio do segredo. Para poucos. [Relação com a especialidade do próprio Estado como órgão julgador, como parte do processo de estabelecimento dessa entidade como ente coercitivo da sociedade, e o principal dela]... essas exigências da prova jurídica eram um modo de controle interno do poder absoluto e exclusivo de saber.34
CONFISSÃO – O criminoso que confessa desempenha o papel de verdade viva. Não é a evidentia rei, é mais uma das provas, que entra no cálculo geral das provas. A contradição é que a confissão é investigada como prova particularmente forte. Elemento de dupla ambigüidade – elemento de prova e contrapartida da informação; efeito de coação e transação semivoluntária. Isso explica os dois grandes meios que o direito criminal clássico utiliza para obtê-la: o juramento, a tortura.
A tortura não figura no direito clássico como sua característica ou mancha.
O corpo do acusado serve de engrenagem aos dois mecanismos – do juramento e da tortura. “... é por isso que, enquanto o sistema punitivo clássico não for totalmente reconsiderado, haverá muito poucas críticas radicais da tortura...”36
Interrogatório: 1º, não é uma maneira de arrancar a verdade a qualquer preço, é cruel, mas não selvagem. Trata-se de prática regulamentada, como um jogo judiciário estrito. “Entre o juiz que ordena a tortura e o suspeito que é torturado, há ainda como uma espécie de justa: o “paciente” – é o termo pelo qual é designado o supliciado – é submetido a uma série de provas, de severidade graduada e que ele ganha “agüentando”, ou perde confessando.” 36
O quê significa a TORTURA clássica “o mecanismo regulamentado de uma prova; um desafio físico que deve decidir sobre a verdade; se o paciente é culpado, os sofrimentos impostos pela verdade não são injustos; mas ela é também uma prova de desculpa se ele for inocente.”37 Promover o encontro de um indício, até o mais grave de todos – a confissão do culpado. Também é a produção ritualizada de uma verdade. Não deixa de ser um inquérito, mas tem algo de duelo. Sistema de gradação contínua, e não de dualista (verdadeiro ou falso).
Tortura, no século XVIII, faz parte do ritual que produz a verdade junto ao par que impõe a punição. O corpo é o lugar da tortura.[e não só o corpo, mas o trauma permanece na psique do sujeito torturado] O sofrimento é uma punição e um ato de instrução.
Aspectos da EXECUÇÃO PÚBLICA DAS PENAS:
1) Fazer em primeiro lugar do culpado o arauto de sua própria condenação. Reconhecimento do crime.
2) Estabelecer o suplício como momento da verdade, uma vez mais a cena da confissão.
3) Estabelecer as relações entre suplício e crime, relações decifráveis. Por exemplo, execução no próprio local em que o crime fora cometido.
4) A lentidão do suplício ao termo do ritual judiciário, o papel de uma derradeira prova. Não deixa de ser um teatro do inferno, uma prévia das punições que prosseguirão ao apenado.

O suplício judiciário é também um ritual político. Dos rituais que manifestam poder, exercício do poder soberano. É um cerimonial para reconstituir a soberania lesada por um instante.
Mais que a economia do exemplo, o que impera no suplício é a política do medo, apresentando a presença do soberano sobre a punição do criminoso. É a reação do poder frente a desordem cometida pelo culpado.
Como ritual da lei armada, o príncipe apresenta o duplo aspecto de chefe de justiça e chefe de guerra, a execução pública tem duas faces: uma de vitória, outra de luta.
Pena ao regicida deveria ser a soma de todos os suplícios possíveis. Seria a vingança infinita.
“... a relação verdade-poder é essencial a todos os mecanismos de punição. ...O iluminismo logo há de desqualificar os suplícios reprovando-lhes a “atrocidade”.”47
Mecânica do poder nos ritos punitivos, poder esse que se afirma como poder armado, mesmo fora da guerra.
Nas cerimônias de suplício a personagem principal é o povo. Sem o público não há o evento. O papel do povo é ambíguo, chamado como espectador, testemunhas à garantias da punição. Ser testemunha é um direito reivindicado. A participação do povo é ativa, exerce ações no espetáculo. O público também se põe a ouvir o culpado, a fim de ouvi-lo falar sobre tudo o que lhe convier, acusando o poder institucional, as autoridades, a religião, já que não tem mais nada a perder...
A injustiça em uma sentença também poderia ser o início de uma agitação.
Havia um medo político diante do efeito dessas rituais ambíguos, da reação do povo.
De um certo ponto de vista, o folhetim e o canto do morto são a continuação do processo... Os jornais trarão públicas as epopéias dos delitos e punições.
Há um aspecto emotivo nas últimas confissões, “emoções de cadafalso”.
“... os grandes assassinatos tornaram-se o jogo silencioso dos sábios.”56

Segunda Parte – PUNIÇÃO

Capítulo I – A Punição Generalizada
Protestos geral contra os suplícios no século XVIII
Eliminar essa forma de conflito direta entre soberano e condenado.
Diziam certos críticos que era preciso a justiça criminal punir ao invés de se vingar.
Grandes “reformadores” – Beccaria, Servan, Dupaty ou Lacretelle, Duport, Pastoret, Target, Bergasse...etc por terem imposto essa suavidade a um aparato judiciário e a teóricos “clássicos” que, já no fim do século XVIII, a recusavam, e com um rigor argumentado.
Houve um “desarmamento das tensões que reinam nas relações humanas... um melhor controle dos impulsos violentos”. 65
Maior eficácia da justiça, se a mesma fosse mais comedida.
Aplica-se uma outra política a respeito dessa multiplicidade de corpos e forças que uma população apresenta. Evidencia-se uma vigilância penal mais atenta do corpo social. Também aumenta-se a intolerância aos delitos econômicos, os controles ficam mais rígidos, as intervenções penais se antecipam mais e tornam-se mais numerosas.
“Ora, se confrontarmos esse processo com o discurso crítico dos reformadores, vemos uma notável coincidência estratégica.”67
Objetivo da reforma: “... não é tanto fundar um novo direito de punir a partir de princípios mais eqüitativos; mas estabelecer uma nova “economia” do poder de castigar, assegurar uma melhor distribuição dele, fazer com que não fique concentrado demais em alguns pontos privilegiados, nem partilhando demais entre instâncias que se opõem; que seja repartido em circuitos homogêneos que possam ser exercidos em toda parte, de maneira contínua e até o mais fino grão do corpo social.”68-69
Ou seja, remanejamento do poder de punir, como no direito criminal. Melhorar sua eficácia.
E, sobretudo, diminuindo seu custo político – dissociando-o do arbítrio do poder monárquico.
Não significa punir menos, mas punir melhor. Punir com mais universalidade e necessidade; inserir mais profundamente no corpo social o poder de punir.
Traço particular do Antigo Regime: privilégios concedidos aos indivíduos e às comunidades.
As camadas populares faziam uso da criminalidade, mas também eram atingidas por ela.
Muitas vezes a tolerância tornava-se estímulo, e foi através dele que a burguesia também cresceu economicamente.
Motivos da mudança:
- aumento geral da riqueza
- grande crescimento demográfico
- alvo principal da ilegalidade passa a ser os bens
- a pilhagem, o roubo, tendem a substituir o contrabando e a luta armada contra os agentes do fisco. E nessa medida os camponeses, os colonos, os artesãos são muitas vezes a vítima principal.
Enfim, “...A ilegalidade dos direitos, que muitas vezes assegurava a sobrevivência dos mais despojados, tende, com o novo estatuto da propriedade, a tornar-se uma ilegalidade de bens. Será então necessário puni-la.”72
Essa reforma foi estratégica acerca do poder de punir como lugar prioritário. “Foi porque a pressão sobre as ilegalidades populares se tornou na época da Revolução, depois no Império, finalmente durante todo o século XIX, um imperativo essencial, que a reforma pôde passar da condição de projeto à de instituição e conjunto prático.”75.
“Um sistema penal deve ser concebido como um instrumento para gerir diferencialmente as ilegalidades, não para suprimi-las a todas.”75
“O direito de punir deslocou-se da vingança do soberano à defesa da sociedade.”76
Recurso à sensibilidade, não que seja uma imposição teórica. Traz em si, o princípio do cálculo. A lei deve tratar “humanamente” aquele que está fora da natureza, enquanto que antigamente a justiça tratava desumanamente o “fora da lei”. Humanismo que corresponde mais a um controle necessário dos efeitos de poder.
A prevenção passa a ser o princípio da economia. É preciso punir exatamente o suficiente para impedir.
6 regras da semiotécnica:
1 – Regra da quantidade mínima: um crime é cometido porque traz vantagens. É preciso admitir uma proximidade da pena e do crime.
2 – Regra da idealidade suficiente: se o motivo do crime é a vantagem que se representa com ele, a eficácia da pena está na desvantagem que se espera dela. A punição não precisa utilizar o corpo, mas a representação dele.
3 – Regra dos efeitos laterais: a pena deve ter efeitos mais intensos naqueles que não cometem a falta.
4 – Regra da certeza perfeita – é preciso que, à idéia de cada crime e das vantagens que se esperam dele, esteja associada a idéia de um determinado castigo, com as desvantagens precisas que dele resultam...
Elemento de certeza que deve dar eficácia ao sistema punitivo.
O instrumento de justiça deve ser acompanhado por um órgão de vigilância que lhe seja diretamente ordenado... polícia e justiça devem andar juntas como duas ações complementares de um mesmo processo... 81
É preciso que os processos sejam conhecidos por todos.
5 – Regra da verdade comum – clima de certeza irrefutável a esse sistema pena; o processo não pode ser ritualizado em suas formas, um magistrado é concebido como um filósofo a descobrir uma verdade interessante. Inquérito mais flexível da pesquisa empírica.
6 – Regra da especificação ideal – para que a semiótica penal recubra bem todo o campo das ilegalidades que se quer reduzir, todas as infrações têm que ser qualificadas; têm que ser classificadas e reunidas em espécie que não deixem escapar nenhuma ilegalidade. 82
Na prática penal o saber psicológico virá substituir a jurisprudência casuística.

“No ponto de partida, podemos então colocar o projeto político de classificar exatamente as ilegalidades, de generalizar a função punitiva, e de delimitar, para controlá-lo, o poder de punir. ... A organização de um campo de prevenção, o cálculo dos interesses, a entrada em circulação de representações e sinais, a constituição de um horizonte de certeza e verdade, o ajustamento das penas a variáveis cada vez mais sutis, tudo isso leva igualmente a uma objetivação dos crimes e dos criminosos.”85
Os Ideólogos, mediante o “espírito” promoviam a submissão dos corpos pelo controle das idéias... Desenvolveu-se como uma tecnologia dos poderes sutis, eficazes e econômicos, em oposição aos gastos suntuários do poder dos soberanos. 86

Capítulo II – A Mitigação das Penas

Arte de punir repousada sobre uma tecnologia da representação. Nova relação de poder.
Condições:
1) Ser tão pouco arbitrários quanto possível
“A punição ideal será transparente ao crime que sanciona; assim, para quem a contempla, ela será infalivelmente o sinal do crime que castiga; e para quem sonha com o crime, a simples idéia do delito despertará o sinal punitivo.”87
2) Esse jogo de sinais deve corresponder à mecânica das forças: diminuir o desejo que torna o crime atraente, aumentar o interesse que torna a pena temível; inverter a relação das intensidades, fazer que a representação da pena e de suas desvantagens seja mais viva que a do crime com seus prazeres. 88
Trazer o sentimento de respeito pela propriedade – o malfeitor o perde quando rouba, calunia, seqüestra ou mata.
3) Utilidade de uma modulação temporal. A pena transforma, modifica, estabelece sinais, organiza obstáculos... 89 Intenção de reformar o acusado, por isso as penas devem ser termináveis.
4) Pelo lado do condenado, a pena é uma mecânica dos sinais, dos interesses e da duração. Mas o culpado é apenas um dos alvos do castigo. Este interessa principalmente aos outros: todos os culpados possíveis”90
Intenção de dar exemplo social através da pena.
É preciso que cada um considere vantagem própria no castigo. O castigo deve ser visto como retribuição do criminoso aos concidadãos. [Como um alívio público.
Pois interpreta-se que ele não lesou apenas ao poder do Estado, mas ele lesou a sociedade, dos cidadãos, então lesou as normas que todos cumprem, que são normalmente reguladas e mantidas, deve ser punido para ser corrigido, senão ser exterminado – em casos extremos]
No antigo sistema o corpo do condenado pertencia ao Rei. Agora, ele será antes um bem social, objeto de apropriação coletiva e útil.
Daí a intenção de colocar presos para fazer obras públicas.
5) Daí resulta uma sábia economia da publicidade.
Vale a exposição da moralidade pública. O auge é o Código, obra dessa sociedade coletiva, fazendo a ligação entre a idéia do crime e a idéia da pena.
6) Então se poderá inverter na sociedade o tradicional discurso do crime. Grave preocupação para os fazedores de leis no século XVIII: como apagar a glória duvidosa dos criminosos? 93
Objetivo de apresentar o crime como uma desgraça e o malfeitor como um inimigo a quem se reensina a vida social.

É vedada a pena uniforme, modulada unicamente pela gravidade da falta.
[A prisão dentro dos espaços da cidade representa simbolicamente o poder de punir.]
A partir das lições de Beccaria, não só a França, mas Catarina II, também mandou redigir projeto para um novo “código das leis” contendo a especificidade e a variedade das penas.

A prisão muda de estatuto jurídico, até mesmo para abrigar essa concepção de espaço reabilitador do condenado.
Nem por isso a prisão deixava de ser marcada pelos abusos do poder. [os ranços do modelo antigo permaneciam, de algum modo.]
Contra a ociosidade, daí o trabalho dos prisioneiros.
Penas mais longas, para dar tempo de corrigir os apenados.

“Modelo de Filadélfia. O mais famoso, porque surgia ligado às inovações políticas do sistema americanos e também porque não foi votado, como os outros, ao fracasso imediato e ao abandono; foi continuamente retomado e transformado até às grandes discussões dos anos 1830 sobre a reforma penitenciária.”102
- influência dos quakers
- trabalho obrigatório em oficinas
- custeio das despesas da prisão com esse trabalho, mas também retribuição individual
- vida repartida em horário absolutamente estrito, sob vigilância
- como em Gloucester, o confinamento solitário não é total: é para certos condenados, que em outras épocas teriam recebido a morte
- duração pode durar conforme o comportamento do detento
- princípio da não-publicidade da pena
- são fornecidas Bíblias e outros livros de religião prática
- além da solidão, que não basta, vive-se a exortação religiosa
Prisão funcionando como um aparelho de saber

“Entre este aparelho punitivo proposto pelos modelos flamengo, inglês, americano – entre esses “reformatórios” e todos os castigos imaginados pelos reformadores, podem-se estabelecer pontos de convergência e disparidades.” 104
Convergências:
- o retorno temporal da punição
- função de não apagar um crime, mas evitar que recomece. São dispositivos para bliquear a repetição do delito. Pune-se para transformar o culpado.
- individualização da pena
- o ponto de aplicação da pena é o corpo, não é a representação. São também o tempo, os gestos diários, a alma como sede dos hábitos.
- Não se busca readquirir um sujeito de direitos, mas um sujeito obediente, o indivíduo sujeito a hábitos, regras, ordens, uma autoridade que se exerce continuamente sobre ele e em torno dele, e que ele deve deixar funcionar automaticamente nele. 106

“... o poder de punir (...) será mais bem realizado escondendo-se sob uma função social geral, na “cidade punitiva”, ou investindo-se numa instituição coercitiva, no local fechado do “reformatório”?
“Em todo caso, pode-se dizer que os encontramos no fim do século XVIII diante de três maneiras de organizar o poder de punir. A primeira é a que ainda estava funcionando e se apoiava no velho direito monárquico. As outras se referem, ambas, a uma concepção preventiva, utilitária, corretiva de um direito de punir que pertenceria à sociedade inteira; mas são muito diferentes entre si ao nível dos dispositivos que esboçam.”107

No projeto dos reformadores, portanto, o soberano e sua força, saem de cena e entra o corpo social, com o aparelho administrativo. Do inimigo vencido, ao sujeito de direito em vias de requalificação. Esse processo não corresponde a teoria de direito, nem a instituições ou aparelhos, nem moralidades. São modalidades de acordo com as quais se exerce o poder de punir. Três tecnologia de poder. (“O corpo que é supliciado, a alma cujas representações são manipuladas, o corpo que é treinado...)
Como foi possível que o terceiro se impôs ?


Terceira Parte – DISCIPLINA


Cap I – Os corpos dóceis

Figura ideal do soldado. A partir da segunda metade do século XVIII: “o soldado tornou-se algo que se fabrica; de uma massa informe, de um corpo inapto, fez-se a máquina de que se precisa; corrigiram-se aos poucos as posturas...”117
“Homem-máquina”- redução materialista da alma e uma teoria geral do adestramento.
Importância do exercício.
Corpo tanto mais útil, quanto obediente. Entre na mecânica do poder. Formação de corpos dóceis.
Intenção é, de não só, recolocá-los na solidariedade de um funcionamento, mas na coerência de uma tática. 120

Foucault chega a supor um novo tema nesse capítulo, “história da racionalização utilitária do detalhe na contabilidade moral e no controle político.”120.
Importância ao detalhe, consideração acerca das pequenas coisas, inclusive como algo divino [ver 120-121]

A ARTE DAS DISTRIBUIÇÕES

Primeiro à distribuição dos indivíduos no espaço. Para isso utiliza-se diversas técnicas:
1) A cerca para a disciplina;
Colégios
Quartéis
2) O princípio da “clausura” não é constante, nem indispensável, nem suficiente nos aparelhos disciplinares. Princípio da localização imediata ou do quadriculamento.
3) A regra das localizações funcionais vai pouco a pouco, nas instituições disciplinares, codificar um espaço que a arquitetura deixa geralmente livre e pronto para vários usos.
A partir da disciplina nasce um espaço útil do ponto de vista médico, por exemplo.
O mesmo se repete nas fábricas, com o princípio do quadriculamento individualizante. Isolamento dos trabalhadores mas também fácil localização, e uma boa articulação para essa distribuição sobre um aparelho de produção com suas próprias demandas.
4) Na disciplina, os elementos são intercambiáveis, pois cada um se define pelo lugar que ocupa na série, e pela distância que o separa dos outros.
Disciplina como arte de dispor em fila, técnica de transformação dos arranjos.
O exemplo é a “classe”.
Enfim, [são formas de organizar tal como um batalhão de guerra, ao mesmo modo de um modo de produção[aqui ordem militar e sistema de produção capitalista se imiscuem], tudo partindo da condução do corpo à docilidade, e sua subseqüente e marcante processo disciplinador.]
Liberdade e disciplina no caso das “classes” escolares.
Nova economia do tempo de aprendizagem.
Constituição de “quadros” foi um dos grandes problemas da tecnologia científica, política e econômica do século XVIII... [Corresponde a racionalização dos espaços].

O CONTROLE DA ATIVIDADE

1) O horário: é uma velha herança.
Atividades condicionadas ao toque do sino. Organização do tempo e das atividades.
2) A elaboração temporal do ato: como no controle da marcha de uma tropa.
Alinhar o tempo à atividade coordenada, como um comando a uma ação temporalizada. Exemplo do soldado a marchar por fila na cadência do tambor.
3) Donde o corpo e o gesto postos em correlação: o controle disciplinar não consiste simplesmente em ensinar ou impor uma série de gestos definidos...
Ensinamentos quanto à postura.
O corpo disciplinado é a base de um gesto eficiente.
4) A articulação corpo-objeto: a disciplina define cada uma das relações que o corpo deve manter com o objeto que manipula. Há engrenagem entre um e outro. Como o soldado ao posicionar o fuzil devidamente junto ao corpo. Corpo é também instrumento.
5) A utilização exaustiva: o princípio que estava subjacente ao horário em sua forma tradicional era essencialmente negativo; princípio da não-ociosidade; é proibido perder um tempo que é contado por Deus e pago pelos homens... desperdiçar tempo – erro moral e desonestidade econômica. 131
Devida utilização dos mínimos instantes.
Permanente pesquisa em torno dos controles disciplinares.

A ORGANIZAÇÃO DAS GÊNESES

Domesticidade misturada a uma transferência de conhecimento. Exemplo dos aprendizes da fábrica dos Gobelinos, que depois de um período de “condicionamento” e testes, estavam aptos a montar lojas em todo o reino.
4 processo que a organização militar se torna clara:
1º_ Dividir a duração em segmentos, sucessivos ou paralelos, dos quais cada um deve chegar a um termo específico. 134
2º_ Organizar essas seqüências segundo um esquema analítico – sucessão de elementos tão simples quanto possível, combinando-se segundo uma complexidade crescente. 134
3º_ Finalizar esses segmentos temporais, fixar-lhes um termo marcado por uma prova, que tem a tríplice função de indicar se o indivíduo atingiu o nível estatutário... diferenciar as capacidades de cada indivíduo...
4º_ Estabelecer séries de séries; prescrever a cada um, de acordo com seu nível, sua antiguidade, seu posto, os exercícios que lhe convêm; os exercícios comuns têm um papel diferenciador e cada diferença comporta exercícios específicos. 134

A COMPOSIÇÃO DAS FORÇAS

Questão técnica das infantarias saíram de um modelo física da massa. Tornar cada indivíduo treinado, um ser útil.
Transformação técnica: a invenção do fuzil, pois mais preciso, rápido e que valoriza mais a habilidade do soldado.
1) O corpo singular torna-se um elemento, que se pode colocar, mover, articular com outros.
2) São também peças as várias séries cronológicas que a disciplina deve combinar para transformar um tempo composto. 139
3) Essa combinação cuidadosamente medida das forças exige um sistema preciso de comando.
Pode-se afirmar que a “...disciplina produz, a partir dos corpus que controla, quatro tipos de individualidade, ou antes uma individualidade dotada de quatro características: é celular, é orgânica, é genética, é combinatória.

Há uma ordem militar no seio da sociedade, como referência fundamental às engrenagens cuidadosamente subordinadas de uma máquina, às coerções permanentes e aos treinamentos indefinidamente progressivos, assim como influindo à uma docilidade automática.
[Foucault mostra que esses efeitos exercidos sobre o corpo, também repercutiram em uma forma de organizar o Estado.

Cap. II – Os recursos para o bom adestramento

“Correta disciplina” para o “bom adestramento”.
Procedimento do exame, a fim de executar o sucesso do poder disciplinar.

A VIGILÂNCIA HIERÁRQUICA

“Observatórios” – lugares onde a multidão possa ser vista. Surgiram várias técnicas de vigilância múltiplas e entrecruzadas.
“Observatórios” possuem um modelo quase ideal: o acampamento militar.
Esse modelo de acampamento, em que se pode ter visibilidade geral, foi repassado à arquitetura e ao urbanismo, nas cidades operárias, hospitais, asilos, prisões, escolas.
“O acampamento foi para a ciência pouco confessável das vigilâncias o que a câmera escura foi para a grande ciência da ótica.”144
“Escrúpulos infinitos de vigilância que a arquitetura transmite por mil dispositivos sem honra” 145.
Base dessa pedagogia vigilante, nas escolas, em três procedimentos: o ensino propriamente dito, a aquisição dos conhecimentos pelo próprio exercício da atividade pedagógica, enfim uma observação recíproca e hierarquizada.

A SANÇÃO NORMALIZADORA

1) Em todos os sistemas disciplinares, funciona um pequeno mecanismo penal.
Como no caso dos orfanatos, onde há uma micropenalidade do tempo, da maneira de ser, dos discursos, do corpo, da sexualidade.
[É o direito penal ocupando espaços que não são jurídicos, totalizando seus espaços de ocupação.]
2) A disciplina traz consigo uma maneira específica de punir, e que é apenas um modelo reduzido do tribunal.
3) O castigo disciplinar tem a função de reduzir os desvios. Deve portanto ser essencialmente corretivo. Castigar é exercitar.
4) A punição, na disciplina, não passa de um elemento de um sistema duplo: gratificação-sanção. Através desses cálculos, de bom e mau comportamento, boa e má nota, etc., faz-se uma contabilidade penal.
5) A divisão segundo as classificações ou os graus tem um duplo papel: marcar os desvios, hierarquizar as qualidades, as competências e as aptidões; mas também castigar e recompensar.
“A penalidade perpétua que atravessa todos os pontos e controla todos os instantes das instituições disciplinares compara, diferencia, hierarquiza, homogeneiza, exclui. Em uma palavra, ela normaliza.”153
Surge o poder da Norma. E desde o século XVIII ele veio unir-se a outros poderes obrigando-os a novas delimitações: o da Lei, o da Palavra e do Texto, o da Tradição. 153
O Normal se estabelece como princípio de coerção no ensino, com a instauração de uma educação estandardizada e a criação das escolas normais...
Funcionamento dentro da homogeneidade que é a regra, a partir daquilo que sai dessa regra, estabelece-se o imperativo útil de uma medida, graduando as diferenças individuais.

O EXAME

“O exame combina as técnicas da hierarquia que vigia e as da sanção que normaliza. É um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir.”154
Na medicina, o hospital surgiu no século XVIII como o aparelho de “examinar”.
“No século XVII, o médico, vindo de fora, juntava a sua inspeção vários outros controles – religiosos, administrativos; não participava absolutamente da gestão cotidiana do hospital. Pouco a pouco a visita tornou-se mais regular, mais rigorosa, principalmente mais extensa: ocupou uma parte cada vez mais importante do funcionamento hospitalar.”154-5-155
Do mesmo modo a escola, torna-se o lugar adequado da “disciplina” pedagógica. Isso promoveu também a pedagogia como ciência, e o desenvolvimento de um imenso saber tático que teve efeito na época das guerras napoleônicas.
O exame supõe um mecanismo que liga um certo tipo de formação de saber a uma certa forma de exercício do poder.
1_ O exame inverte a economia da visibilidade no exercício do poder. 156
O poder é apresentado por seus efeitos, e menos diretamente.
2_ O exame faz também a individualidade entrar num campo documentário. 157
Parece até surgir uma ciência do homem, a partir desses registros, arquivos e exames. Porém questiona-se se é possível essa ciência.
3_ O exame, cercado de todas as suas técnicas documentárias, faz de cada indivíduo um “caso”. 159
Caso como objeto para o conhecimento e uma tomada para o poder.

Capítulo III – O Panoptismo

Mostra como funcionava o enclausuramento das pessoas em suas casas, durante períodos de peste. Em resumo, mostra a utopia da cidade perfeitamente governada, pois completamente vigiada, sem que houvesse intercomunicação entre as casas.
[Nesses esquemas de controle de doenças contagiosas, faz-se uma marcação simbólica e objetiva sobre o sujeito, formando mecanismos de exclusão. Divide-se normal e anormal, por exemplo. É a divisão da população pelo e para o controle.]
“O Panóptico de Bentham é a figura arquitetural dessa composição. O princípio é conhecido: na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado.”165-166
Nesse modelo a visibilidade torna-se armadilha, e não há privação de luz, existe a plena luz para melhorar o olhar de um vigia.
No panóptico: “É visto, mas não vê; objeto de uma informação, nunca sujeito numa comunicação.”166
O panóptico promove a majoração produtiva do poder. O pressuposto dessa nova “anatomia política” são as relações de disciplina.
1_ A inversão funcional das disciplinas. Atribui-se o papel positivo de aumentar a utilidade possível dos indivíduos. Disciplina como técnica para fabricar indivíduos úteis.
2_ A ramificação dos mecanismos disciplinares. Circulam em um estado “livre”, processos mais flexíveis de controle, melhores para transferir e adaptar.
3_ A estatização dos mecanismos de disciplina¬. Como uma polícia centralizada. Máquina administrativa, unitária e rigorosa.
A disciplina é um tipo de poder, uma modalidade para exercê-lo. E pode ficar a cargo de instituições “especializadas”, como as penitenciárias.
Objetivo era fazer crescer a docilidade e a utilidade de todos os elementos do sistema.
Contexto:
- Grande explosão demográfica no século XVIII
- Mudança da escala quantitativa dos grupos que importa controlar ou manipular
- Grande crescimento econômico do Ocidente, começando com processos que permitiram a acumulação do capital.
“... Na verdade os dois processos, acumulação de homens e acumulação de capital, não podem ser separados; não teria sido possível resolver o problema da acumulação de homens sem o crescimento de um aparelho de produção capaz ao mesmo tempo de mantê-los e de utilizá-los; inversamente, as técnicas que tornam útil a multiplicidade cumulativa de homens aceleram o movimento de acumulação de capital.”182
[Ou seja, relações muito próximas entre acumulação de capital e controle dos indivíduos. Uma tornou possível a outra, bem como necessária. Uma modelo para a outra. Esse desenvolvimento da economia capitalista demandou uma dada modalidade de disciplina, para utilizar mais e melhor a sociedade, e os indivíduos.]
“As “Luzes” que descobriram as liberdades inventaram também as disciplinas.”183
Disciplinas podem ser vistas como infradireito, ou ainda como contradireito, quando “Elas têm o papel preciso de introduzir assimetrias insuperáveis e de excluir reciprocidades” 183.
Importância do inquérito como base até mesmo para as ciências empíricas
Foucault conclui o capítulo... “Devemos ainda nos admirar que a prisão se pareça com as fábricas, com as escolas, com os quartéis, com os hospitais, e todos se pareçam com as prisões?

Quarta Parte – PRISÃO

Cap. I – Instituições Completas e Austeras
A nova legislação defini o poder de punir como uma função geral da sociedade...
Obviedade da prisão: a prisão se torna algo natural na nossa sociedade, como o uso do tempo se tornou para medir as trocas.
1_ Primeiro princípio, o isolamento. Individualização do castigo
A solidão é a condição primeira da submissão total.
Modelo prisional de Auburn, Filadélfia:
- cela individual durante a noite
- trabalho e as refeições em comum
- silêncio absoluto
- referência clara tomada ao modelo monástico, também tomada à disciplina de oficina.
- A prisão deve ser um microcosmo de uma sociedade perfeita onde os indivíduos estão isolados em sua existência moral, mas onde sua reunião se efetua num enquadramento hierárquico estrito, sem relacionamento lateral, só se podendo fazer comunicação no sentido vertical.”200
- garantia da ordem por vigilâncias e punições. Mais do que punir e trancafiar, deve-se associar os presos uns aos outros, promover exercícios em conjunto, obrigá-los a bons hábitos, mantendo o reconhecimento pela regra do silêncio.
- Auburn era a própria vida renovada em seus vigores essenciais.
- o catolicismo recupera rapidamente em seus discursos essa técnica Quaker.
- o trabalho é definido, junto com o isolamento, como um agente de transformação carcerária.
O trabalho penal presta função muito importante nesse mecanismo. Transformando o condenado, de violento, agitado, irrefletido em uma peça que desempenha papel com perfeita regularidade.
O sistema penitenciário não pode ser concebido a priori, é uma indução do estado social.
O tema do Panóptico encontrou na prisão o local privilegiado de realização.
Delinqüente se distingue do infrator pelo fato de não ser tanto seu ato quanto sua vida o que mais o caracteriza. 211
Tipologia dos condenados p. 212
“O correlativo da justiça penal é o próprio infrator, mas o do aparelho penitenciário é outra pessoa; é o delinqüente, unidade biográfica, núcleo de “periculosidade”, representante de um tipo de anomalia.”213
Foucault procura saber a razão dessa temível “eficácia” da prisão.

Cap. II – Ilegalidade e Delinqüência
Retorno ao tema do suplício, aos exemplos de execuções feitas na França.
Análise da necessidade de romper com esses ritos públicos, de transpor a condenação ao âmbito do pudor administrativo.
“Ora, o que foi adotado, em julho de 1837, para substituir a cadeia, não foi a simples carroça coberta de que se falara um momento, mas uma máquina bem cuidadosamente elaborada. Uma carruagem concebida como prisão ambulante. Um equivalente móvel do Panóptico...”219
Não há seqüência lógica na cronologia da história do encarceramento.
Uma constatação pelos dados analisados: a detenção provoca a reincidência. Depois de sair da prisão, se têm mais chance que antes de voltar para ela, os condenado são, em proporção considerável, antigos detentos... p 221
No fim das contas a prisão fabrica delinqüentes.
Foucault traça o mesmo caso para os clubes anti-sociais para a educação do jovem delinqüente.
“Enfim, a prisão fabrica indiretamente delinqüentes, ao fazer cair na miséria a família do detento.”223
Princípios que são as 7 máximas universais da boa “condição penitenciária”.
1) A detenção penal deve então ter por função essencial a transformação do comportamento do indivíduo
(princípio da correção)
2) Os detentos devem ser isolados ou pelo menos repartidos de acordo com a gravidade penal de seu ato, mas principalmente segundo sua idade, suas disposições, as técnicas de correção que se pretende utilizar para com eles, as fazes de sua transformação
(princípio da classificação)
3) As penas, cujo desenrolar deve poder ser modificado segundo a individualidade dos detentos, os resultados obtidos, os progressos ou as recaídas.
(princípio da modulação das penas)
4) O trabalho deve ser uma das peças essenciais da transformação e da socialização progressiva dos detentos. O trabalho penal.
(princípio do trabalho como obrigação e como direito)
5) A educação do detento é, por parte do poder público, ao mesmo tempo uma precaução indispensável no interesse da sociedade e uma obrigação para com o detento.
(princípio da educação penitenciária)
6) O regime da prisão deve ser, pelo menos em parte, controlado e assumido por um pessoal especializado que possua as capacidades morais técnicas de zelar pela boa formação dos indivíduos.
(princípio do controle técnico da detenção)
7) O encarceramento deve ser acompanhado de medidas de controle e de assistência até a readaptação definitiva do antigo detento. Seria necessário não só vigiá-lo à sua saída da prisão.
(princípio das instituições anexas)

Existe na verdade um sistema carcerário, e não apenas a instituição da prisão.

Foucault vai elencando uma série de manifestações da ilegalidade popular, tais como pilhagens, lutas políticas, recusa ao pagamento de impostos, e atos contra o novo regime de exploração legal do trabalho pelos operários no começo do século XIX, indo desde quebre de máquinas até o absenteísmo, abandono do serviço, vadiagem etc. “Uma série de ilegalidades surge em lutas onde sabemos que se defrontam ao mesmo tempo a lei e a classe que a impôs.”228
[O autor coloca o plano da resistência social, inconseqüente ou não, direta ou indireta, sobre esse sistema carcerário total, que parece ter uma dinâmica em todos os planos da vida social, daí que as reações se desencadeiem em contexto geral também. E de algum modo isso representa ameaça.]
Há uma produção incessante de criminosos. O crime já não é um ente estranho a essa sociedade. [E segue uma crítica mais contundente do autor referente a esse tema:] “...seria hipocrisia ou ingenuidade acreditar que a lei é feita para todo mundo em nome de todo mundo; que é mais prudente reconhecer que ela é feita para alguns e se aplica a outros; que em princípio ela obriga a todos os cidadãos, mas se dirige principalmente às classes mais numerosas e menos esclarecidas; que, ao contrário do que acontece com as leis políticas ou civis, sua aplicação não se refere a todos da mesma forma que nos tribunais não é a sociedade inteira que julga um de seus membros, mas uma categoria social encarregada da ordem sanciona outra fadada à desordem.” 229.
A lei e a justiça constam em dissimetria frente as classes sociais.
O sistema carcerário acaba substituindo o infrator pelo delinqüente.
Mecanismo de “punição-reprodução” onde o encarceramento seria uma das peças principais.
“...essa ilegalidade concentrada, controlada e desarmada é diretamente útil.” 231
“...Ou seja, instalou-se também no século XIX uma espécie de ilegalidade subordinada, cuja docilidade é garantida por sua organização em delinqüência, com todas as vigilâncias em que isto implica. A delinqüência, ilegalidade dominada, é um agente para a ilegalidade dos grupos dominantes. A implantação das redes de prostituição no século XIX é característica a respeito: os controles de polícia e de saúde sobre as prostitutas, sua passagem regular pela prisão, a organização em grande escala dos lupanares, a hierarquia cuidadosa que era mantida no meio da prostituição, seu enquadramento por delinqüentes-indicadores, tudo isso permitia canalizar e recuperar, através de uma série de intermediários, os enormes lucros sobre um prazer sexual que uma moralização cotidiana cada vez mais insistente votava a uma semiclandestinidade e tornava naturalmente dispendioso; na computação do preço do prazer, na constituição de lucro da sexualidade reprimida e na recuperação desse lucro, o meio delinqüente era cúmplice de um puritanismo interessado: um agente fiscal ilícito sobre práticas ilegais. Os tráficos de armas, os de álcool nos países de lei seca, ou mais recentemente os de droga, mostrariam da mesma maneira esse funcionamento da “delinqüência útil”; a existência de uma proibição legal cria em torno dela um campo de práticas ilegais, sobre o qual se chega a exercer controle e a tirar um lucro ilícito por meio de elementos ilegais, mas tornados manejáveis por sua organização em delinqüência. Esta é um instrumento para gerir e explorar as ilegalidades.”232.
O exercício do poder atrai para si esse instrumento de ilegalidade. Utilização de homens para cobrir a ação ilegal de entes legalmente constituídos.
Circuito polícia-prisão-delinqüência se apóia mutuamente e é ininterrupto.
“Uma figura era constante nas épocas anteriores, a do rei monstruoso, fonte de toda justiça e entretanto maculado de crimes; aparece outro medo, o de um acordo escondido e torpe entre os que fazem valer a lei e os que a violam. Terminada a era shakesperiana em que a soberania se defrontava com a abominação num mesmo personagem; breve começará o melodrama cotidiano do poderio policial e das cumplicidades que o crime estabelece com o poder.”235
Fato também interessante é que com muita freqüência, as ações operárias eram acusadas de serem animadas, senão manipuladas, por simples criminosos. Mostrou-se nos veredictos muitas vezes maior severidade contra os operários que contra os ladrões. 237
O recinto do tribunal, dentre outras coisas, é também o lugar de exibição das tristes vítimas de nossa desordem social; é uma arena onde ressoa o grito dos combatentes.
O crime acaba sendo um provocador da sociedade. Crime também consistindo num instrumento político.
“Todas as ilegalidades que o tribunal codifica como infrações, o acusado reformulou como afirmação de uma força viva: a ausência de habitat em vadiagem, a ausência de patrão em autonomia, a ausência de trabalho em liberdade, a ausência de horário em plenitude nos dias e das noites.”241.
Os jornalistas acabaram identificando mais essas situações que os membros do sistema judiciário.
A selvageria completa dessa “civilização” é apontada na indisciplina, por exemplo, quando a criança não suporta a escravidão da educação. É tudo, menos ordem.

Cap. III – O carcerário

“Primeira escola normal da disciplina pura: o “penitenciário” não é simplesmente um projeto que procura sua caução na “humanidade” ou seus fundamentos numa “ciência”; mas uma técnica que se aprende, se transmite, e que obedece a normas gerais.”245
Especificação institucional e como que o batismo de um novo tipo de controle – ao mesmo tempo conhecimento e poder – sobre os indivíduos que resistem à normalização disciplinar.
Segundo os códigos e legislações, não há encarceramento “fora da lei”, o enclausuramento deixa de ser arbitrário.
“Vimos que, na justiça penal, a prisão transformava o processo punitivo em técnica penitenciária; quatro ao arquipélago carcerário, ele transporta essa técnica da instituição penal para o corpo social inteiro. Com vários efeitos importantes.” 247
- carreira de carcerário, curso pedagógico, canal profissional a fim de disciplinar e cercear os transgressores.
[A lei prevê e contempla os casos:] “Nesta sociedade panóptica, cuja defesa onipresente é o encarceramento, o delinqüente não está fora da lei; mas desde o início, dentro dela, na própria essência da lei ou pelo menos bem no meio desses mecanismos que fazem passar insensivelmente da disciplina à lei, dos desvio à infração.”249.
“Em resumo, o arquipélago carcerário realiza, nas profundezas do corpo social, a formação da delinqüência a partir da ilegalidades sutis, o ressarcimento destas por aquela e a implantação de uma criminalidade específica.”249
“A generalidade carcerária, funcionando em toda a amplitude do corpo social e misturando incessantemente a arte de retificar com o direito de punir, baixa o nível a partir do qual se torna natural e aceitável ser punido.”251
O sistema carcerário encareceu uma nova forma de “lei”, a norma. Desejo furioso dos juízes de medir, reconhecer o normal e o anormal. Forte dualismo sobre a vida social. E isso se repete em todos os espaços, pois estamos na sociedade do professor-juiz, do médico-juiz, do educador-juiz, do assistente social-juiz, todos fazem reinar a universalidade do normativo... 251
A forma carcerária foi o grande aporte do poder normalizador.
“O homem conhecível (alma, individualidade, consciência, comportamento, aqui pouco importa) é o efeito-objeto desse investimento, dessa dominação-observação.”252.
Isso explica a extrema solidez da prisão.
O modelo da cidade carcerária não é então o corpo do rei, mas uma repartição estratégica de elementos de diferentes naturezas e níveis.
Não há um controle unitário, senão um conjunto de regras estratégicas.
As “ciências” permitem a fabricação do indivíduo disciplinar.


FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Editora Vozes, Petrópolis, 16ª edição, 1997.

Agosto.2010