domingo, 13 de abril de 2008

“Como está presente o homem nas coisas - considerações sobre o direito e a filosofia de Heidegger”

Apresentação:

O resultado de um conjunto de aulas e leituras sobre um determinado tema pode vir à tona por meio de diversos resultados. Isso quando a propositura do tema encontra-se aberto, sem vícios estruturais. De modo que as questões do aluno podem ser costuradas na medida em que se toma conta dos ensinamentos obtidos ao longo da aulas. O envolvimento com o assunto é paralelo ao que lhe serve como uso para as suas inquietações usuais, sobretudo quando tais não se fiam a uma mera necessidade individual, mas que possua dimensões maiores.

Esse brevíssimo exercício versa sobre a execução prática do homem no modelo jurídico moderno, pari passu, com a compreensão da filosofia de Heidegger, no entorno do que as primeiras páginas de “Ser e Tempo”(1), tendem a apresentar acerca do ser. O que embala esse discurso é a posição crítica frente a um sistema jurídico, calcado no positivismo jurídico – ainda o mais preponderante entre as compreensões do direito atual, e como tal acaba não permitindo o desenvolvimento do próprio homem com a vinculação a um ideal de ética, e outros valores que se apresentam como norteadores do sistema de regras. E certamente, ver-se-á em Heidegger uma crítica às noções “plásticas” do ser, abordadas ao longo de toda a tradição filosófica. Portanto, pensamos quão simulacros podem ser tidos esses padrões de ética, justiça, etc., tendo em face as filosofias críticas do projeto modernizante, como o próprio Heidegger.


Desenvolvimento:

A própria forma com que foi posta a apresentação do presente trabalho, e todo cabedal de concepções abordadas pelo professor, e na análise da filosofia heideggeriana, a importância para a abordagem do desconhecido, do nada. Já que o real não é a totalidade, pois não temos a capacidade de conceber todo o real, e o desenvolvimento do homem como ser, só se pode dar nessa contínua sensação de descobertas. De modo que o ser, que está no nível ontológico, seja possibilitado na apreciação do ente, nível ôntico. Para que haja o 'descortinar' das questões que se apresentam sem possuir uma verdadeira essência que a condicione. Aí, sem dúvida, todo o problema do conceito, com algo que engessa a dinâmica do ser.

O positivismo jurídico é calcado numa idéia de totalidade. Onde os códigos funcionariam como uma moldura precisa e perfeita – algo de Hans Kelsen(construtor da teoria pura do direito, cuja natureza essencialmente lógico-formal implica a concepção do direito como um sistema escalonado de normas, depurado de apropriações fáticas e valorativas) – e o que funcionaria como razão prática, estaria enjaulado no espaço de ação do operador do direito. Portanto a coisa do direito acaba operando sobre o homem, e não o homem utilizando ferramentas técnicas para o melhoramento da vida humana, na vida em sociedade. Não é à toa que a carência de bom senso, senso comum no direito. O “fechamento” pela lei, transpõe-se no fechamento do operador de direito, quando enclausura-se na suas percepções, enreda-se nos seus próprios valores, conforme o que o cerca; dificilmente encara a situação contextual ampliada. Ou nos limites da ampliação do que aparece ser, mas não do que existe na função do que é. A presença de fatos no mundo se concebe como um jogo já dado, e pouco questionado.

Ao se propor um sistema de regras, métodos para seu estabelecimento, presunções primárias e um saber em constante elevação, o direito perfaz-se como uma ciência. E assim como o problema das ciências modernas, e ao passo que todas concebem o ser da forma socrática – acabam entrando no rol de críticas de Heidegger-, possuem o que Heidegger chama de pseudoperguntas – perguntas que já possuem resposta. Isso vai de encontro ao exercício do homem perante a “ciência do direito” como realização de singularidade com o que se pode ter como justo, quando, além de estabelecer-se num sistema engolfado, já há uma pré-resposta para qualquer questão. Na verdade, não há perguntas, pois tudo está na lei. A lei impera sobre o real. Portanto o direito é visto como um sistema social que se encontra fechado, ou um sistema de verdades incontestáveis. E não como uma existência aberta para as pessoas. O seu surgimento já vem para regular, concentrar uma ordem de coisas conforme um determinado tempo, de que modo isso amarra o desenvolvimento existencial do ser, da própria sociedade. E ainda, sob esse estabelecimento, a simples aplicação da norma muitas vezes deixa de atender o que seria mais justo.

O que se pode levantar é a equivalência desse justo à luz da filosofia de Heidegger. E para isso coloca-se a posição de verdade para Heidegger:

A verdade do ser humano, sua essência, aparece na denominação Dasein ("ser aí"). Todo o pensamento ocidental, desde Sócrates, Platão e Aristóteles - a ratio occidentalis - produz um efeito de esquecimento do Ser que Heidegger tenta eliminar por meio da "desconstrução da metafísica" e do restabelecimento do laço originário com o Ser existente na época dos pré-socráticos. Restabelecer a verdade é aqui restabelecer o laço com o Ser.”(2)


É interessante que mesmo os movimentos pós-positivistas, novos paradigmas para o procedimento do direito(mais comunicacional, menos operacional, por exemplo), ou de crítica à toda inserção do operador do operador do direito no positivismo jurídico, incorrem-se num problema comum. Ao continuarem alienados no mesmo sistema de poder, havendo apenas uma tentativa de mitigar os efeitos nocivos de tal ordem; mas não como algo libertador e auxiliador da perspectiva de que o ente se construa, e não simplesmente sobre a mesma cortina do ser, não questionado. Prosseguindo, as novas perspectivas comunicacionais do direito, por exemplo, dão conta do problema em que tal ciência se insere, e avocam um meio de trazer o diálogo para arregimentar um novo meio de argumentação jurídica, fora dos estritos padrões lógico-formais. No entanto, creio que isso não ultrapasse um meandro fundamental, que perpassa internamente qualquer lógica, já que a lógica permeia todo o ser, em todos os tempos de sua vida. Refiro me à própria falta de questionamento sobre a própria estrutura de poder colocada, na qual uma argumentação jurídica será dada. Por mais que mude

o modo de se articular frente a esse novo contexto jurídico, incorporando elementos comunitários, mais próximos do diálogo, ou seja, numa outra interação de relação na "dinâmica" jurídica; se não houver o questionamento sobre qual sociedade, qual lógica de poder, de manutenção do corpo social tal argumentação está colocada, não equivale de nada. E conforme os críticos dessa posição dogmática do direito[que ao meu ver, também entram no meandro descrito até aqui], como o professor Warat(3), a dificuldade em modifica o ensino do direito, e assim por diante, esse sistema que se coloca frente aos homens, é a própria elevação de poder, sob o discurso e sob o domínio de códigos, que a instrumentalização de tal ciência proporciona aos homens.

Uma questão que se coloca, menos aos críticos do positivismo jurídico, e mais aos da modernidade filosófica, é o de como ficar atento para que elementos da existência humana ao longo do que se pensou na modernidade, não sejam totalmente diluídos, como se nada pudesse nos servir. É preciso pensar no arquétipo destrutivo da situação em que a modernidade jurídica é questionada, por exemplo, tendo em vista que se pode perder a dimensão de buscar outras dimensões para o conhecimento e tratar de diluir o predicado fundamental da construção humana, que é o próprio ser. Ou melhor, conforme a modernidade rui, sem que um processo de construção sobre ela, incorporando os elementos positivos de tal construção sócio-histórica.


Considerações Finais:

Decididamente seria possível tocar em uma séria de questões com o que se pode entender das aulas de História da Filosofia Contemporânea I, isso tudo pelo universo de abertura e novidade que a filosofia de Heidegger pôde proporcionar. E sobretudo é frutífero o contínuo questionar das formas mais aparentes com que a humanidade colocou o sujeito, como o direito. E realçar a questão de como tais elementos afogam, e mais ainda, deixam de lado, a questão do ser. Inquirição tão desbastada por Heidegger. Pois ao tentar dar fundamento existencial para modernidade humana, busca responder suas questões no elemento mais pontual para toda a existência humana, a própria evidência do ser no tempo. Na crítica à Platão, replica toda a consideração da subjetividade moderna. Parecendo haver uma angústia corrente de não deixar com que a modernidade-ciência-máquina sobrepuje o homem. Pois o homem precisa de relação com a natureza, precisa da dinâmica do seu ente para operar no mundo. É notório que significa dizer: é preciso mais vazão para a existência.


Algumas Referências:

1. HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes, 1996.

2. FIGUEIRA, Demerval J. Filosofia e lógica jurídica. (in.: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=24 : Acesso em 23/07/2007)

3. WARAT, Luis Alberto. La Universidad Latinoamericana y la Eclosion Pedagogica. Buenos Aires, 1995.

4. ANDRADE, Ricardo Jardim. A gênese do conhecimento segundo Heidegger. (in.: Reflexão(revista do Instituto de Filosofia da PUC de Campinas), ano VII, nº 23, maio/agosto/1982.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Ocupação de Fábrica no JB


O Jornal do Brasil (JB) de 18 de março de 2007, trouxe em sua lead, uma reportagem sobre o processo de ocupação pelos trabalhadores da Cipla em Joinville – Santa Catarina. E não se trata de uma mera citação, mas uma reportagem grande, com três páginas completas tratando do tema, além própria capa do jornal de domingo. Isso significa duas coisas, primeiro a dimensão que a política da luta dos trabalhadores daquela fábrica; segundo que há uma intenção maliciosa do JB, jornal tradicional no cenário carioca, já foi o maior do Brasil, tendo uma linha párea à elite desse país É um jornal clássico da direita carioca, desse modo a intenção do jornal não foi mostrar, diretamente os ganhos sociais dos trabalhadores, mas usar esse quadro de disputa para incriminar o governo Lula, tendo em vista que o jornal é oposição a esse governo.

O modo como a reportagem se desenrola é de tom etnocêntrico. Trata Santa Catarina como uma terra de ‘germânico’, ‘homens de olhos azuis’, entre outros atributos. Aspectos que quem é de lá, sabe que não são tão gerais assim, ainda mais entre a classe trabalhadora. Entre os erros, ainda está o de informações erradas, dados incorretos.

O mais interessante é que como o jornal precisa, para embasar seu discurso demagógico, de fatos, acaba fazendo a propaganda, daí indiretamente, das conquistas daquela luta travada em Joinville. Ao, praticamente, endemonizar Batchauer – proprietário ‘legal’ da empresa, membro da família Hansen[dona do grupo Tigre], e apresentar a redução de jornada de trabalho, estagiários efetivados, fim do trabalho aos sábados, entre outros ganhos, resplandece para o leitor mais atento a noção fundamental de luta operária. Isto é, eles[JB] orientam seu discurso para atacar o governo, mas não com o ‘nosso’ de que esse governo Lula é a própria elite e faz o jogo dos patrões. Claro que fica longe desse tom.

A veiculação na mídia burguesa de um processo de conquista operária é uma prova da situação de penúria do desemprego no país. No momento em que o mesmo desencadeia uma séria de males sociais, o JB publica na capa com uma foto imensa dos trabalhadores da Cipla: “Eles tomaram a fábrica do Patrão... e querem que Lula estatize”, e está certa a interpretação que coloca a responsabilidade no Presidente sobre a situação pendente das fábricas ocupadas. Já que os trabalhadores estão executando muito bem sua parte, lutando politicamente para manterem seu direito ao trabalho e realizando conquistas importantes!

Outra situação a ser comentada: por quê uma notícia dessa nunca foi veiculada em um jornal do PT? Ou melhor, acho que o PT nem jornal tem, certo?! Se para a burocracia petista a “Folha de São Paulo” lhes serve como baluarte das notícias petistas, a falta de um jornal próprio do partido, com espaço para todas as correntes debaterem sua pauta e matérias, mostra mais um ponto de degeneração do partido.

P.S.: Curioso que não encontrei no sítio do JB a matéria. Só a tenho completa, porque um amigo me forneceu ela impressa.


20/04/07.

Os cursos do emprego

A movimentação na região industrial de Niterói é grande e é a prova do crescimento que o setor naval tem tido nos últimos anos. Isso é bom. Espectativa de aumento nos empregos, mais desenvolvimento para a cidade, maior crescimento fluxo para os comerciantes, e é evidente que quem ganha mesmo são os patrões, donos das indústrias. Quem deu o empurrãozinho para esse trem, ou melhor, esses navios e plataformas, andarem? Substancialmente foram os investimentos do governo, via BNDES, ou através da empresa semi-estatal, Petrobrás, que só até final de 2005 já investira mais de 8 bilhões de reais na construção de plataformas.

O que há de errado nisso tudo?

Aparentemente muita coisa.

Primeiro é estranho ver tantos recursos públicos investidos em um ente privado, sendo que essa vitalização é fruto, em grande parte, do próprio dinheiro público; então esse ente deveria também ser público, estatal, empresa pública sob controle dos trabalhadores que nelam produzem!

Além disso, quem observa de fora e vê todas as manhãs várias pessoas com pastas na mão esperando uma vaga, logo acha que há mais gente fora do que dentro. Na verdade assistimos a um grande desemprego na sociedade, mas o setor da indústria metalúrgica naval é um dos que mais empregam no Rio de Janeiro. Portanto há uma estratégia capciosa dos patrões, via RH: a rotatividade - é interessante para a empresa que haja muita gente na espera, que os que estão dentro tenham temor pelos que estão de fora (assim a possibilidade de reclamarem por salário é menor), até pessoas de outras cidades é algo bom para a empresa - pois esse pode vir de um lugar onde se paga menos do que no Rio e estar disposto a aceitar um salário baixo, e até pelo fato de estar com o objetivo e esperança de trabalhar e só fazer isso, longe de família e amigos, muitas vezes.

Desse problema surgem alguns cânceres. Pessoas mal intencionadas que burlam a carteira para que as pessoas dêem comprovação de que não são inesperientes, já que a experiência é um dos requisitos fundamentais para conseguir uma vaga. Mas agora, como alguém que nunca trabalhou terá uma oportunidade, ou aqueles que fizeram um curso? A propósito, outro câncer é a proliferação de cursos profisionalizantes, são diversos que surgiram, caros e não garantem que o estudante terá uma oportunidade na empresa; isto é, ao invés de existir uma integração entre empresa-escola - onde o estudante já fosse encaminhado para as empresas - por fim ele(a) acaba ficando ao léu, nem ao menos recuperando o dinheiro investido. Aqui há um problema fundamental: essas escolas deveriam ser públicas, pois o Estado precisa qualificar seus trabalhadores, pois precisa construir sua própria tecnologia e autônomia. Diferente disso, o governo quando não fica à mercê do imperialismo norte-americano ou europeu, é lacaio da burguesia, que usa o governo para expropriar os trabalhadores.

Tudo bem que deveria haver mais fiscalização quanto ao problema das carteiras forjadas. Mas isso é fruto do desespero das pessoas para terem um emprego, acabam tendo que pagar um suborno para daí terem a oportunidade do serem selecionadas, depois de um teste prático. Fiscalização não resolveria o problema dos trabalhadores. O que resolve é emprego pra todo mundo. E salário justo para o trabalhador, se o mínimo segundo na Constituição Federal, calculado pelo Dieese é de R$ 1562,25 então esse deve ser o salário mínimo para todos, quer dizer que se a pessoa recebe 3 salários, ela deve receber 3 vezes R$ 1562,25. Essa deve ser a luta dos trabalhadores: por mais empregos e por salário com base no mínimo da Constituição Federal brasileira.

DEMOCRACIA CULPADA

A retórica mais utilizada para o governo se esquivar das suas responsabilidades é culpando a tal da democracia. Um exemplo é o artigo do atual Ministro da Justiça – Tarso Genro, no jornal Folha de São Paulo(15/04), ao constatar que a democracia – pela sua pluralidade de interesses, ou “como jogo aberto para todos e no qual todos, de algum modo, podem ser vencedores”[trecho do artigo] – acaba aceitando a polícia privada como fruto do citado regime político: “Quando uma parte significativa do povo (aquele colegiado aberto que detém a soberania) começa a aceitar como natural que grupos privados lhe dêem mais segurança do que o próprio Estado, é porque estamos chegando no limite.” [trecho do artigo]. Realmente, o limite já está sendo esgotado. Não só o da barbárie instalada nesse país, sobretudo nas grandes cidades; mas o do desemprego, precariedade da saúde e da educação... e de todas a invenção de discurso para manter o jogo da burguesia.

Tarso G., dito estudioso de Lênin, não deve ter lido uma obra central do revolucionário russo: O Estado e a Revolução. Escrito no pródromo da Revolução Russa em 1917 deixa muito claro o sentido da democracia num regime de Estado burguês. Ou seja, é possível considerar que o regime de republica democrática(como na maioria dos países ocidentais hoje) seja o ‘menos pior’ no capitalismo, mas ainda assim, essa falsa democracia serve para um discurso de interesses. Tanto que na revolução ao instalar-se a ditadura do proletariado, o esquema é: democracia para o proletariado; ditadura para a burguesia. Lênin pensava que a democracia pelas instituições burguesas em relação à democracia direta dos soviets, poderia soar como conciliação de classes, e, por assim dizer, insustentável na ditadura do proletariado. Ao ler Engels, analisa que se o Estado é o produto irreconciliável das classes, não é possível fazer democracia a partir de instituições por ele criada. Ou seja, o papo de democracia para o povo no sistema capitalista é balela. Pode ajudar os trabalhadores a jogar contradições no sistema, como exemplo: ao contestar a constituição federal do país frente a realidade - o salário mínimo que deveria ser de R$ 1562,25, progressiva universalização do ensino, saúde para todos, entre outros direitos conquistados e não efetivados na prática.

No Brasil isso é muito claro, democracia no uso dos ‘blablablás’ de toda a representação da burguesia no governo. Serve para colocar como povo, não os trabalhadores numa visão de classe; mas sim seguindo a mesma linha de FHC: povo são os banqueiros, latifundiários, a mídia burguesa, grandes empresários, e lá no cantinho, talvez – o resto.... Daí é fácil dizer que há uma aceitação da polícia privada, pois o povo o quer, ou como Tarso Genro colocou em seu artigo, sobre os futuros programas do governo sobre a violência: “É natural, por isso, que elas tenham forte acolhimento na consciência média da cidadania e larga simpatia dos meios de comunicação. Lamentavelmente, no entanto, é previsível que, no máximo, elas mantenham a situação como está.” Além de pregar o conformismo, deixa a entender que é preciso do aval da mídia para os programas darem certo.

O texto de Tarso Genro e toda a prática do governo Lula mostra a degeneração. Não só pela política de alianças com a burguesia, pelos partidos burgueses; mas a profunda degeneração do PT. O combate no congresso do PT, desmascarar essa máscara retórica da elite governante(o próprio PT e seus braços acolhedores perante a burguesia). E mais ainda, dialogar com a base do PT e de todos os outros grupos e partidos, pela construção de uma esquerda unificada. O Núcleo Socialista de Base é uma genial idéia para isso. E que um dos frutos seja a construção de um Partido Operário Revolucionário.

domingo, 30 de março de 2008

Teoria Política e Constitucional Brasileira

Teoria política e constitucional brasileira: os formadores do Brasil a partir da análise dos anais da constituinte de 1823.

Luiz Carlos Ramiro Junior*

RESUMO

O trabalho versará sobre os debates e temas levantados nos discursos da assembléia constituinte de 1823. Tendo em vista que tal fora dissolvida pelo Imperador D. Pedro I, e por conseguinte outorgou a Carta Constitucional de 1824, a relevância dos debates anteriores está em avaliar o que foi incorporado na primeira constituição brasileira; bem como apreciar a recepção de teorias políticas em que os constituintes se balizavam - modelos teóricos europeus e como isso se dava no contexto social brasileiro. A pretensão é de preencher uma lacuna nos estudos jurídicos, concernente ao pensamento jurídico e seu quadro comparativo o sentido da tradição jurídica brasileira. Por mais questionável que seja o conteúdo dessa tradição, não podemos facultar um mirar sobressalente sobre aqueles que abriram essa senda, como José Bonifácio, Marquês de Caravelas, Silva Lisboa, dentre outros publicistas brasileiros.

Um recurso metodológico importante que perpassa esse trabalho é da história das idéias. No entanto, há um câmbio no sentido de tecer algumas considerações a respeito de temas que, não só ficaram nos discursos dos parlamentares de 1823, mas refletiram disputas no ceio da sociedade, do período. Então o objetivo está em compreender o conteúdo dos discursos proferidos na Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Brasil em 1823, não apenas como aporte na compreensão do pensamento da elite política e jurídica de então, bem como os pontos de inflexão desses discursos para demandas sociais.

Além de revalorização do pensamento dos formadores políticos e constitucionais do Brasil, aqui se faz uma considerável união, que cremos ser imprescindível, entre o panorama político e o direito como um instrumento de poder naquele mundo formado por bacharéis.

PALAVRAS CHAVES: história constitucional, pensamento jurídico e teoria política brasileira.

Em 17 de abril do ano de 1823(...) os trabalhos na Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil começaram, mas como em política nada é pura linha reta, ela não concretizou seu principal objetivo. Por outro lado o sumo de seus quase sete meses de trabalho também não foram descartados, quando, no dia 11 de novembro do mesmo ano, realizava seu último dia de debates e legislação para o país. Neste dia ela foi dissolvida, e presos os irmãos Andrada, redatores e articuladores dos jornais Sentinela da Praia Grande e o Tamoio, pomo da discórdia e do 'mal-estar' com o Imperador - que justificava a dissolução com o argumento de combater o facciosismo que comprometeria a Nação.

O conteúdo das questões ali debatidas neste ínterim traduzem uma senda de preocupações, dilemas e, sobretudo, disputas acerca da ossatura política do Brasil. Marcas figuraram na primeira Constituição Brasileira, escrita pelo Conselho de Estado, e em particular pelo Marquês de Caravelas. Este projeto acabou jurado como Constituição em março do ano seguinte (1824).

A presente pesquisa sobre teoria política brasileira, centrada nos anais da Constituinte de 1823, permite levar em conta a maneira como a elite política de então pensou o Brasil, e, conforme o leque de questões foi se abrindo, foram se desenvolvendo interpretações acerca da própria formação do país. A missão que se põe é de entender uma edificação constitucional e política, na qual impõe ao pesquisador se ver às voltas com documentação direta, como discursos, proclamações, representações, debates, cartas.

Inicialmente, duas considerações básicas devem ser observadas a respeito da importância de se resgatar este material. Primeiro, que é preciso reavaliar considerações tradicionais sobre a inteligentsia que compunha a constituinte. Legisladores como José Joaquim Carneiro de Campos(depois Marquês de Caravelas), José da Silva Lisboa(depois Visconde de Cairú), Cândido José de Araújo Vianna, José Custódio Dias, João Severiano Maciel da Costa(mais tarde Marquês de Queluz), os Andradas(Antônio Carlos, José Bonifácio e Martim Francisco), José Martiniano de Alencar, dentre outros, possuíam um considerável grau de conhecimentos políticos, constitucionais, históricos e, de parte de alguns, sobretudo da ala coimbrã1, um olhar sociológico sobre o conjunto da realidade do país. Longe de serem meros glosadores de concepções políticas estrangeiras, alguns tinham um tino aguçado de originalidade. Em segundo lugar, a Constituinte de 1823 tem uma relevância histórica negligenciada, porque são relativamente poucos os trabalhos sobre ela. Que surgida menos de um ano após a Independência, era um momento onde a própria integridade do Brasil era posta em questão. Províncias estavam em guerra pela independência - a província Cisplatina, por exemplo, já era considerada um caso especial no próprio projeto de Constituição da Assembléia(era considerada um estado federado). Por aí se percebe o grau de anarquia que muitos rincões do país se encontravam. Ademais não havia Brasil! O patriotismo, inclusive na voz de homens que 'lutaram' pela independência era antes por sua província – nos discursos, comum era falar em “amor pela minha pátria, ir ao meu país” ou coisa do tipo, mas remetendo ao seu lugar e não ao Brasil como um todo2. O nome brasileiro não era padrão e nem a língua o era. Enfim, analisar a constituinte de 1823 serve não apenas para ver que havia gente que fazia bom uso da língua portuguesa, mas que existia, dentro de um - latifúndio de problemas, mentes projetando uma nação - inclusive pensando no próprio grosso, como se depreende dos diversos comentários dos conservadores quanto à necessidade abolir gradualmente a escravidão. Um exemplo, José Bonifácio faria uma Representação à Assembléia, que acabou não tendo vez na constituinte de 1823, em que desenvolve melhor esse imbróglio.

A “Representação” de José Bonifácio certamente seria bem vinda, haja vista que mesmo havendo discussões sobre a malta da população, era raro o trato do tema com o intuito de incluir, por exemplo: nos debates acerca do artigo 5º, do projeto de constituição da comissão(que foi apresentada pelo deputado relator Antônio Carlos de Andrada Machado’)- a questão era “o que é brasileiro”; há ou não diferença entre Brasileiros e Cidadão Brasileiros? Pois bem, ficou claro que no que tange aos brasileiros: todos os nascidos ou que se tornaram por força de Lei(naturalizados), mas dentre os ‘brasileiros’ havia uma divisão entre: ‘não-cidadãos’(índios, escravos e estrangeiros) e ‘cidadãos’(proprietários, membros do pacto social), e são só os últimos os membros da sociedade, já que não cabe na sociedade ‘não-cidadãos’. Desse modo a “Representação” apontaria para a civilização do país, e poderíamos dizer para a própria inserção do escravo na sociedade como cidadão – o artigo XV deixa isso evidente ao dispor aos escravos o direito de testemunhar em juízo(mesmo que não contra os próprio senhores). Joaquim Nabuco retomou o tema, sessenta e um ano depois, da cidadania do escravo do seguinte modo: “Se os escravos fossem cidadãos brasileiros, a lei particular do Brasil poderia talvez, e em tese, aplicar-se a eles; de fato não poderia, porque pela Constituição[1824], os cidadão brasileiros não podem ser reduzidos à condição de escravos. Mas os escravos não são cidadão brasileiros[...]”(NABUCO, 1988 : 91), de modo que vai procurar no Direito Internacional a ilegalidade de escravizar um outro, mesmo não sendo cidadão – o lócus de abrangência da compreensão civilizatória de Nabuco era maior.

No mínimo o tema da abolição não ficaria eclipsado, como ficou durante boa parte do Brasil Império, na Constituinte de 1823 se fosse debatida a ‘Representação’. Mesmo sabendo que José Bonifácio estava falando aos seus pares, aos ‘poucos’ cidadãos do Brasil, para dizer que a sociedade acaba cultivando o ‘outro’ dentro de seu espaço, e então seria preciso inserir o escravo, o índio para evitar qualquer mal para a sociedade. A primeira parte da ‘Representação’ é justamente uma advertência mostrando “A necessidade de abolir o comércio de escravatura, e de emancipar gradualmente os atuais cativos é tão imperiosa, que julgamos não haver coração brasileiro tão perverso, ou tão ignorante que a negue, ou desconheça. Isto suposto, qualquer que seja a sorte futura do Brasil, ele não pode progredir e civilizar-se sem cortar, quanto antes, pela raiz este cancro mortal, que lhe rói e consome as últimas potências da vida, e que acabará por lhe dar morte desastrosa.”(ANDRADA E SILVA: 120).

Passando para o eixo desse trabalho, com uma apresentação geral sobre a condução dos trabalhos da Constituinte, dando atenção à formulação do sistema de governo instaurado, bem como as referências já presentes ao poder moderador em certos discursos – principalmente da autoria do futuro Marquês de Caravelas (José Joaquim Carneiro de Campos). A seguir tentarei esclarecer a conexão entre o fundamento intelectual dos discursos e aquilo que foi recepcionado pela Constituição de 1824 –, através de um exemplo, dentre os vários que podem ser debatidos, como quanto à instauração do tribunal do júri, liberdade religiosa, sobre o que se falava do federalismo e do processo eleitoral.

Dividido aqui em três – as diversas etapas da Constituinte de 1823. A primeira delas abrange as sessões preparatórias e o início dos trabalhos propriamente ditos, depois de aberta a Assembléia com a Fala do Trono – questões acerca dos governos provinciais (abolição do Conselho de Procuradores de Província), sociedades secretas, liberdade de imprensa, naturalização dos portugueses (e estrangeiros), processo legislativo e alguns debates preliminares sobre a instauração do Tribunal do Júri; A segunda etapa teve início com a apresentação do anteprojeto de constituição, apresentado pelo relator, deputado Antônio Carlos de Andrada Machado – esse é um ponto divisor de águas da constituinte. O projeto dos Andradas, a não ser no que se refere às liberdades individuais, não prevê a possibilidade de dissolução da Câmara, que estaria presente na proposta de Carneiro de Campos, então primeiro-ministro, de incorporação de um poder moderador. Uma pesquisa mais aprofundada poderia esclarecer se, neste momento, já não se iniciava uma preparação para a 'mudança de jogo' e imputar uma preponderância do imperador sobre a lei fundamental do país ou então podemos entender o contrário; a terceira etapa envolve o debate - artigo por artigo, (chegando até à segunda dezena dos artigos do projeto), além de projetos de lei paralelos como: sobre o ensino superior – a implantação de universidades, incentivo a fábricas de ferro, ainda sobre os governos provinciais, fazenda pública, funcionamento interno da Assembléia – querela quanto ao caso de deputados-ministros e do caso Caldeira Brant Pontes. Essa etapa é abruptamente encerrada com o fechamento da assembléia.

Decididamente, a principal instituição política que ganha a Constituição de 1824 é o Poder Moderador. Qual a originalidade na implantação do mesmo, cujo principal articulista havia sido o suíço Benjamin Constant? O projeto de Constant concebia o poder neutro (dava preferência a essa expressão ou poder real, embora também usasse poder moderador), nas mãos do Rei; é preciso lembrar que Constant é um teórico da restauração da monarquia francesa, ou seja, quer estabilizar as instituições liberais contra o absolutismo, quer monárquico, quer jacobino e portanto revolucionário. Ele imaginava assim a estrutura política de um Estado como um bloco do poder executivo e outro do poder legislativo; e, para que houvesse harmonia entre eles, era preciso o poder neutro, que agiria sempre que os interesses de um poder avançasse sobre os do outro, a fim de preservar o equilíbrio constitucional.

A inovação brasileira está, principalmente, na elaboração constitucional de José Joaquim Carneiro de Campos, ou depois, Marquês de Caravelas: se em B. Constant o rei não governa, no Brasil o Chefe de Estado é o governante suprapartidário. É certo que o poder moderador separa o chefe de Estado e o chefe de Governo (e o último tem os atos responsabilizados pelos ministros); ele faz a conciliação entre as oposições e se sobrepõe a elas, na necessidade de fazer as reformas que construam o Estado Imperial. Caravelas é um liberal moderado e reformista, ao passo que, um Silva Lisboa(Visconde de Cairú), por exemplo, é bem mais conservador, embora não absolutista. O poder moderador ronda a idéia de governo misto, com o monarca possuindo direito de veto. Formatando o controle estrutural de constitucionalidade, para a harmonia institucional: evita que os representantes do povo (Poder Legislativo) extrapolem o âmbito de mandato que lhes cabe ao serem eleitos. Poder moderador é poder excepcional a serviço da manutenção da constituição vigente.

Na constituinte de 1823 Benjamin Constant é uma referência onipresente e sua teoria é usada para argumentar em favor daquilo que seria apontado como deformador do poder moderador “original”, segundo os opositores brasilienses. Mesmo B. Constant separando o monarca do Poder Moderador, diz que em toda monarquia constitucional o Imperador pode escolher ministros e dissolver o parlamento. Ou seja, não houve traição à teoria do teórico francês, houvera sim várias adaptações, conforme aponta Christian Lynch em seu artigo(LYNCH, 2005).

Outro destaque é para o lado centralizador, elevado entre os coimbrãos, entre os quais os Andradas representam a ala mais radical desse objetivo. Mas ainda no que diz respeito ao centralismo moderado, entende-se que o Imperador é chave desse preceito: idéia de que a nação está encarnada nele, e ele a representa.

Ainda sobre o poder moderador - Carneiro de Campos e Antônio Carlos debatem na Constituinte de 1823. Carneiro de Campos tinha concepção presente de teoria política conforme a proeminência do Poder Moderador. E não a da Assembléia, como propalavam Antônio Carlos de Andrada Machado (mesmo quando o fazia por oportunismo), Vergueiro e Montesuma, dentre outros. Esse debate já está presente quando se discutia a primazia da representação da soberania da nação. Elementos mais radicais diriam que ela era exclusiva da Assembléia; mas os opositores sustentavam que ela e o Imperador estavam em pé de igualdade, ou que o próprio Imperador estava adiante - daí o título de 'Defensor Perpétuo' do Brasil.

Andrada Machado já no início dos trabalhos comenta sobre forma de governo e competência dos poderes. Ao tratar sobre o tema da anistia (e a quem competiria dar tal garantia), além de já apresentar o clássico conflito entre a coroa e o parlamento, ele já fala em poder moderador (Diário da Assembléia, 2003 : 107 Tomo I), mas de forma bem diferente do que Carneiro de Campos. Antônio Carlos reitera o caráter constitucional da Monarquia - para evitar a concentração de poderes, no intuito de ser o chefe de Estado um elemento da harmonia e conformação da Monarquia Constitucional e Representativa, como nessa citação: “...em uma Monarquia Constitucional não se encerra nela todo o poder legislativo. Em todas as Constituições o Monarca tem sempre tal, ou qual ingerência na legislação; não digo que seja característica indispensável da Monarquia; a razão pode bem conceber Monarquia, em que o poder legislativo em nada seja comum ao Monarca; mas a meu ver não pode a razão conceber como a Monarquia dura sem ingerência de Lei(...)”(Diário da Assembléia, 2003 : 106 Tomo I). Já para Carneiro de Campos, o controle estrutural é um poder ativo - e não passivo conforme elaboração de Benjamin Constant – incluindo a recepção de liberdades individuais, pressupõe uma coalizão política para possibilitar tais direitos: “Eis aqui, Sr. Presidente, o que, se pretenderá persuadir ao povo: para o que, se preciso for, se unirão todos os Partidos ainda que opostos entre si, a fim de ganhar força e destruir o nosso, e com ele a ordem estabelecida. Parece-me pois conveniente não organizar por ora os Governos, e reservar esta reforma para o tempo em que os Povos estejam mais acostumados às novas instituições, e esta Assembléia tenha adquirido mais força moral; e como ao mesmo tempo reconheço que alguns dos males exigem pronto remédio, entendo que será indispensável dar-se boas Instruções aos Governos, que marquem bem a extensão e limites da sua autoridade, e fazer-se uma Proclamação que assegure aos Povos que a Assembléia obra em plena liberdade, e que eles hão de gozar dos seus direitos individuais e políticos. Nada mais por ora (Diário da Assembléia, 2003 : 128 Tomo I). Eis então um belo exemplo das intenções de 'abrir as portas' das instituições políticas brasileiras de tal ponto adiante, e rumar para uma conciliação na intenção de justificar a unidade, progressiva modernização e democratização do país.

Quanto à tomada de idéias estrangeiras. O que se busca discutir aqui é que nem sempre existiu uma cópia fiel, do que era publicado na Europa ou nos Estados Unidos, para o Brasil. É certo que esse tema da tomada, seja de concepções filosóficas, sócio-políticas, econômicas ou jurídicas, há que se atentar para a dependência que a Nação se coloca frente aos exemplos ocidentais já estabelecidos. Uma tomada direta de qualquer discurso é algo negativo, pois produz situações bizarras, a história do Brasil é permeada por tais; contudo a situação de 1823 era o de formação da Nação. Se não houvesse um pressuposto de originalidade na formação das leis e do fundamento político, a própria Nação se colocaria na corda bamba, isto é, poderia não existir, já que toda a construção é contra o que está dado como certo, por mais que ela queira retomar ou continuar algo do passado. Não se tratava de continuar um projeto português, mesmo que a marca do passado era forte; mas de formar um novo projeto e que não fosse à luz de algo estranho ao Brasil. Não valendo, nem seguir a mesma linha mestra do passado português, e nem os caminhos revolucionários franceses ou o liberalismo político norte-americano. Essa formulação, é verdade, cabe muito mais ao lado dos ‘coimbrãos’.

A questão que segue ajuda a entender o eixo do confronto existente. Nos debates como se daria e se haveria a sanção imperial aos projetos de lei da assembléia? Ambos os partidos acabavam reivindicando soberania nacional (alguns com Sieyès3[1], por exemplo) como se percebe pela associação entre o direito de sanção e a vontade geral. Mas enquanto os conservadores entendem que esta se acha representada também na pessoa do rei, e daí o seu direito de veto, outra parte entendia que ela estava na exclusividade do corpo da Constituinte.

Numa certeira intervenção sobre o tema, Carneiro de Campos expôs os princípios do governo monárquico representativo e do governo misto. Interpretando esse discurso (Diário da Assembléia, 2003 : 299 Tomo I): O soberano é o poder executivo (Chefe) e a soberania só cabe em parte ao poder legislativo. O monopólio da soberania pelo legislativo é privativo, não das monarquias constitucionais, mas das repúblicas ou governos democráticos, onde há a supremacia do povo ou de seu corpo representativo. Sua concepção de monarquia constitucional corresponde àquela de uma monarquia temperada ou representativa, onde o Parlamento divide a responsabilidade legislativa com o chefe da Nação, ou seja, o monarca. Claro, se a força do chefe na feitura das leis for absoluta, não será monarquia constitucional, mas absoluta, o que não é desejado por Caravelas. Em síntese: esse publicista brasileiro parece mostrar que se os deputados estão querendo aprovar leis que descaracterizem o governo monárquico representativo, para transformar o Estado em uma República (tal qual nos Estados Unidos), é como se eles estivessem traindo o povo, já que o mesmo escolheu tal forma de governo, antes mesmo da reunião da Constituinte. A seguinte citação é ilustrativa: “É da essência do Governo Monárquico Constitucional e Representativo que o Chefe Supremo da Nação, o Monarca, tenha tal ingerência no Poder Legislativo, que as Leis por este decretadas, não possam ser promulgadas e executadas sem a Sanção do Monarca?(...)ninguém deixará de convir na afirmativa(...)”(Diário da Assembléia, 2003 : 299 Tomo I)

A conexão entre o fundamento intelectual dos discursos e aquilo que foi recepcionado pela Constituição de 1824. Iniciamos com o mais esclarecedor exemplo, o Tribunal do Júri. No capítulo 'Dos direitos individuais dos Brasileiros', o artigo 7º §2 do projeto de constituição de Antônio Carlos institui o seguinte: “II. O juízo por Jurados”. Mas é sobre o artigo 13 quando diz que “Por em quanto haverá somente Jurados em matérias crimes; as civis continuarão a ser decididas por Juízes, e Tribunais. Estas restrições dos Jurados não forma artigo Constitucional” (Diário da Assembléia, 2003 : 685 Tomo II), aí é que as divergências irão surgir.

O tribunal do Júri [ou de Jurados, como era dito na constituinte] é um tribunal popular, destinado a, no âmbito do processo penal, decidir sobre a existência ou não do ato delituoso e sua punibilidade. Ao juiz de direito cabe aplicar e graduar a pena, a partir da sentença prolatada pelos juízes de fato (leigos) escolhidos para julgar a querela(Pequeno Dicionário, 2004). Na atual Constituição Federativa da República Brasileira o Júri é apresentado no artigo 5º inciso XXXVIII, que diz o seguinte “é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;”(CRFB, 1988). Em 1823 o debate era pela existência ou não desse tribunal; e em caso positivo, se concebido, se ele teria competência somente no crime, ou no cível, ou em ambas as áreas.

Os brasilienses argumentavam que esse instituto tinha por base no direito anglo-saxão - mesmo tendo um histórico anterior, sendo adotado na antiguidade greco-romana, no território germânico, no próprio Brasil desde junho de 1822 - era tido como o paládio da liberdade. Afirmavam que ser julgado 'por um igual' significava a garantia das liberdades individuais, da propriedade e contra a tirania do Estado-central, e dos magistrados corruptos. A justiça do Estado deveria estar preocupada com os crimes políticos, deixando livre a atividade dos indivíduos.

Os 'conservadores' ou coimbrãos não eram unânimes na apreciação do futuro desempenho do instituto no Brasil. Só Silva Lisboa (futuro Visconde de Cairú) votou contra o Júri no crime. Inclusive esse faz um excelente discurso no seguinte sentido: recupera o contexto de implantação do instituto na Alemanha e na Inglaterra e, aponta as diferenças perante o quadro brasileiro, onde não tinha razão de estar. Já outros, como Arouche Rondon (conservador também) achava que o Júri deveria ser adotado gradualmente e conforme cada lugar, pois entendia que o litoral do Brasil em nada tem a ver com a realidade do imenso interior. Carneiro de Campos, por sua vez, com sua típica posição intermediária, fazia elogio ao Júri, para depois ponderar, porém, que, pelas circunstâncias, pela carência de boas leis4[2], além da falta de instrução dos povos, a implantação imediata do tribunal de jurados no Brasil não era viável.

No contexto em que os liberais defendiam as liberdades e a propriedade 'do povo', o questionamento de Silva Lisboa (Cairú) e de Carneiro de Campos (Caravelas) acerca da viabilidade do júri era plausível. Mais ligados à aristocracia rural, os liberais desejavam o júri para eles mesmos controlarem o judiciário local e se defenderem contra a expansão da autoridade do Estado. Cairú e Caravelas entendiam que, pelo estado de atraso da população, ela ficaria indefesa perante os potentados rurais. Para Cairu, nessas circunstâncias, o júri consagraria a feudalização do país; pois os crimes dos fazendeiros ficariam impunes. Algo inaceitável para um pensamento centralizador mais cerrado, já que parte da justiça sairia do domínio do Estado, que nomeia o magistrado para julgar nas localidades.

Tendo em vista o acirrado debate sobre o tema durante a Constituinte, Caravelas adotará na constituição de 1824, no seu artigo 151, uma solução de compromisso ou, pelo menos, postergatória: “O Poder Judicial é independente, e será composto de Juízes e Jurados, os quais terão lugar assim no Cível, como no Crime, nos casos e pelo modo que os Códigos determinarem.” (NOGUEIRA, 1999). Ou seja, deixaria o assunto para a legislação infra-constitucional. Em 1832, quando será elaborado o Código de Processo Criminal, sob o predomino dos liberais, será consagrada a plena liberdade local no funcionamento desse instituto jurídico no Brasil.

Considerações finais

É certo que seria necessário aprofundar determinados temas deste trabalho. Pinçar melhor questões relevantes ao centralismo do Estado, à figura da Igreja Católica como instituição estatal; a presença do elemento conciliador na figura de um Chefe da Nação; e o funcionamento da justiça no Brasil. Esta pesquisa envolve uma pretensão ainda mais interessante de apresentar em um trabalho futuro (sob orientação e organização do professor Christian Lynch (FD/UFF)), de compilar os melhores discursos dessa constituinte e divulgar os pensamentos que realizaram a estrutura política do Brasil, de molde a perfazer uma espécie de Teoria Política dos Fundadores do Brasil. Assim como a remissão à obra de Hamilton, Jay e Madison, isto é, o Federalista, é fundamental para compreender os posteriores desdobramentos da teoria política norte-americana; é grande falha dos politólogos e constitucionalistas contemporâneos não se debruçarem sobre as origens políticas e constitucionais do Brasil para tentar compreender a partir de então, seus desdobramentos e dilemas. Por fim, aqui vale uma citação que identifica esse pensamento: “....me dizes o que conheces, que te direis quem és...”(Gaston Bachelard) – se não conhecemos a história política do país, estaremos rendidos, por mais das vezes, num contínuo vácuo de identificação. Mas como em política não existe vazio, esse acaba sendo preenchido por mais idéias fora do lugar.

REFERÊNCIAS

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Constituição da República Federativa do Brasil (CFRB) – Publicada no DOU de 05/10/1988.

Diário da Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil – 1823 – Tomo II – Edições do Senado Federal (Volume 6). Brasília, 2003.

NEVES, Lúcia Maria Bastos P. . Corcundas e constitucionais: a cultura política da Independência (1820-1822). 1ª. ed. Rio de Janeiro: Revan/Faperj, 2003.

LYNCH, Christian Edward Cyril. O Discurso Político Monarquiano e a Recepção do Conceito de Poder Moderador no Brasil (1822-1824). Rio de Janeiro, Dados vol. 48 no.3 Sept. 2005, pp. 611 a 654.

LYNCH, Christian Edward Cyril. O Momento Monarquiano - O conceito de Poder Moderador e as ideologias brasileiras durante o século XIX. (Tese de doutoramento defendida em 20 de abril de 2007 no Iuperj).

NOGUEIRA, Octaviano. Constituições brasileiras: 1824. Brasília, Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 1999.

Pequeno Dicionário Jurídico/Antonio De Paulo(ed.) – 2. ed. – Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

BONAVIDES, Paulo e ANDRADE, Paes. História constitucional do Brasil. 3a. Edição. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991.

HOMEM DE MELO, Francisco Inácio Marcondes Homem de Melo, Barão de. A Constituinte perante a História [1863]. Edição fac-similar. Brasília, Senado Federal, 1996.

RODRIGUES, José Honório. A Assembléia Constituinte de 1823. Petrópolis : Vozes, 1974.

José Bonifácio de Andrada e Silva. “Representação à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a escravatura”[1924]. In Obras científicas, políticas e sociais de José Bonifácio de Andrada e Silva, coligidas e reproduzidas por Edgard de Cerqueira Falcão.

NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. Petrópolis: Ed. Vozes, 1988.

CONSTANT de Rebecque, Benjamin. Princípios Políticos Constitucionais. Rio de Janeiro : Liber Juris, 1989.



* Graduando em Direito na Universidade Federal Fluminense.

1 O termo “coimbrão”, cunhado por José Murilo de Carvalho, em A Construção da Ordem, ao designar a elite política mais adepta do unitarismo, e assim foram denominados por terem passado pela Universidade de Coimbra.

Já o termo “brasilienses”, cunhado por Lúcia Mª Bastos Pereira das Neves, na obra Corcunda e Constitucionais - a cultura política da independência(1820-1822), designando a elite política mais desconcentradora, liberal e anti-lusitana.

2 O conceito de pátria e de país, naquele tempo, remetia à província, justamente porque o sentimento "nacional" estava por ser criado. Podemos dividir a identidade pátria perante três esferas:

1a. identidade - Império Luso-Brasileiro (português)

2a. identidade - Americano - (português da América)

3a. identidade - Província - (paulista, mineiro, pernambucano, alentejano, etc).

A diferença, era que os coimbrãos, na independência, privilegiavam a primeira identidade, que era fraca para os brasilienses, que se agarravam na terceira.

3 Emmanuel Joseph Sieyès (Fréjus, 3 de maio de 1748 - Paris, 20 de junho de 1836) foi um político, escritor e eclesiástico francês. Escreveu uma obra que marcou a teoria política e constitucional a partir da Revolução Francesa. O texto "Qu’est-ce que le tiers état ?" ("O que é o terceiro Estado?") foi escrito pouco antes da própria Revolução Francesa e serviria de base para o abade reivindicar apontar para a existência de um poder imanente à nação, o poder constituinte; ademais o projeto político desse autor e atuante no processo político francês de então era garantir a presença do Terceiro Estado(povo) no poder.

4 No Brasil, em 1823, ainda regiam leis portuguesas, o código civil, só reformado em 1916, ainda era 'as Ordenações Filipinas, conjunto de normas editada como resultado da reforma das Ordenações Manuelinas. Foi sancionada no reinado de Filipe I da Espanha, em 1595, era o período da União Ibérica. Dom João IV depois ratificou esse conjunto.

Kant e Deus

Comparações entre o ordenamento do Estado no Brasil na “era Vargas” e na “era [neo]liberal”

A relação que se deve fazer é de construção, ruptura e mistura.

Construção com relação ao modelo de Estado social desenvolvido na “era Vargas”. Na lógica intervencionista, atuação direta do Estado na economia, como detentor de indústrias, sobretudo as de base. Estado autoritário funcionando como agente presente no todo social, possibilitando uma série de direitos que vinham sendo reivindicados pelos trabalhadores, como a legislação trabalhista. O nacionalismo é engajado(diferente da era liberal que busca suplantar barreiras entre os países), e maneira que o Estado utiliza para congregar a população é sob o corporativismo estatal. Fortemente marcado nos sindicatos que eram abrigados pelo Estado.

O Estado brasileiro sob o viés da “era liberal” vem para romper com a “era Vargas”. Mesmo que sua senda tendo sido aberta, de modo mais marcante, por Fernando Collor de Mello, foi o presidente da república, Fernando Henrique Cardoso, quem implementou esse modelo. O propósito de enxugar a burocracia do Estado, retirar a posição tuteladora do Estado sobre os indivíduos e abrir margem para a sociedade civil atuar e se organizar livremente; foram as luzes da propaganda dessa “era”. Com ela vieram as destruições daquilo que fora conquistado(e não simplesmente 'dado sob tutela') como a perda de direitos trabalhistas. Quanto a concepção de sociedade civil intervindo na política, um grande problema é que o liberalismo acaba considerando o “mercado” como ente político, então, esse passa a mandar mais do que a população, que encontra dificuldades para se organizar. Daí segundo a própria ausência de instrumentos democráticos para a luta política da sociedade civil.

É certo que o modelo tutelador de Vargas não contribuiu para desenvolver uma cultura política de organização independente dos trabalhadores. Isso porque Getúlio Vargas não deixou de olhar para a burguesia quando esteve implementando suas políticas, mesmo quando concedia direitos aos trabalhadores. Algo significativo sobre isso foi o sindicalismo vinculado ao Estado, e o não desenvolvimento de partidos políticos (não fisiológicos) no modelo varguista5.

Nesse ponto de vista, a história brasileira foi constantemente costurada por “revoluções passivas”, ou coisas feitas pelo alto. À população, não disponibilizados os mecanismos necessários para uma luta democrática. Não necessariamente para a conquista de uma democracia burguesa, mas para a destruição da própria burguesia.

É claro que a “era liberal” é muito mais nociva para a sociedade. Significa de modo claro a própria venda do país. A perspectiva de um Estado social, inclusive mais próximo do socialismo, é obstaculizada pelo modelo liberal, que dá à inciativa privada aquilo que é propriedade da União e serviria para um equilíbrio equitativo entre a população, como é o caso da saúde e educação. Uma coisa é disponibilizar universidades públicas para todos, outra é abrir concessão para que grandes empresários construam universidades. O pior é que isso é feito com dinheiro público! Então o liberalismo é uma verdadeira falácia. Uma nova invenção para contornar as crises econômicas mundias, sobre os braços do Estado, sobretudo com os mais débeis, como o do Brasil. Destrói direitos sociais, “joga” no vazio ao conceder direitos políticos e civis, pois se há forte desequilíbrio econômico entre os entes da população, a democracia não é real. O pressuposto para a ética é a igualdade, e o modelo liberal não tem ética, pois consagra o desigual, martela na via do individualismo que corrói as relações construtivas da sociedade brasileira. Isto é, figura como um modelo que destrói, e constrói outras coisas como um castelo de cartas, ou faz esforço para fazer a “política das estatísticas” - mostrar para os agentes externos(e depois pegar empréstimo) que as crianças estão na escola, que a mortalidade infantil diminuiu, etc. Nesse sentido, a estatística é mais um meio para a mentira, pois o que vale é sempre o número e não o que se encontra por trás do dígito.



5 No mesmo período do primeiro governo de Getúlio Vargas, enquanto em países como México, Venezuela e Argentina houve mobilização dos partidos sobre sindicatos, no Brasil a incorporações de trabalhadores para a arena política foi reduzida, comparativamente.

Crítica de O Vianna à Constituição brasileira de 1891

Oliveira Viana trabalha com dois conceitos fundamentais para elaborar essa questão. Tais se baseiam no estudo do sociólogo argentino José Ingenieros. A sociedade possui dois tipos de idealistas(os que querem mudar a sociedade): utópicos e orgânicos.

Idealistas utópicos – idéias livrescas; é o exemplo da Primeira República no Brasil, fruto desses idealistas. O maios relevante dentre eles, é Rui Barbosa.

Idealistas orgânicos – possuem senso de prática, pensamento sujeito às determinações da realidade. Para Oliveira Viana, seria a elite salvadora.

Aos olhos do escritor fluminense, a constituição de 1891 foi obra de idealistas utópicos. Em seu texto, “O Idealismo da Constituição”, irá apontar fatores que corroboram para a distância entre a letra da lei e a realidade brasileira.

No império era claro a posição Estado frente à maioria da população: tutela. E a figura do Imperador era preponderante nessa relação. Em poucas palavras: não havia povo no Brasil. Esse era um ponto que Oliveira Viana marca bastante. Um exemplo consistente: em meados do século XIX, na província da Bahia, bem mais que a metade da população era formada por escravos. Se antes, o Poder Moderador fazia o papel de “povo político”, na República, haverá um vácuo profundo na efetivação política do Estado. O resultado são as várias revoltas que aconteceram até 1930. Mais uma vez é salutar ressaltar o Império(e o Imperador como pessoa) como figuras de autoridade moral, algo que faltou para os republicanos; assim como o apelo patriótico foi débil, diferente do sentimento nacionalista que vinha sendo arraigado com D. Pedro II.

O federalismo implantado no Brasil segue a matriz americana. Seu grande formulador foi Rui Barbosa, importante constitucionalista brasileiro que tinha “cabeça e mente” na Europa e nos Estados Unidos. Rui Barbosa parece ter caído numa idéia pretensiosa de fundar florescer elementos no Brasil, que via em outras sociedades. Mas o fez com desarraigado das realidades do Brasil, e, muito pior, com aqueles que eram contra a própria modernidade que poderia desenvolver o país. Já que os que propunham o descentralismo eram ligados à aristocracia rural(ou eram eles próprios, em geral); havia uma amarra econômica que levou à própria refeudalização do país. Um caso de perda de direitos políticos, que veio desde o Império, quando os liberais estavam em maioria na câmara, foi a Lei Saraiva, que foi um retrocesso do ponto de vista da inserção da população na arena política.

No Brasil não havia uma tradição liberal e individualista, como nos EUA. Portanto, a titularidade dos direitos, que deveria cair sobre os indivíduos, fora transladada às províncias, sob o comando dos aristocratas rurais. Esses acabavam angariando a autonomia dos estados, pois se, na federação, a União detém a soberania, os estados-federados possuem autonomia. Ficando mais livres de controle central. Foi o próprio enxugamento do Estado central. O federalismo realizou-se com a limitação do poder constituinte, algo mais próximo do modelo americano. Juridicamente, a Constituição de 1891 é uma constituição limitada. Dando ampla margem para os estados fazerem seus arranjos políticos locais

Para o contexto atual, o arcabouço da crítica de Oliveira Viana persiste. Com algumas ressalvas quanto ao contextualismo. Pois hoje, a figura de uma nação que precisa ser tutelada por um governo autoritário e centralizador, não é mais tão incisiva. Mesmo com o fisiologismo dos partidos permanecendo, e a carência de organização política dos trabalhadores perante o quadro institucional; a situação da sociedade já é bem diferente. A cidadania, que mal foi edificada no Brasil(e nenhum lugar no mundo, se formos analisar como uma forma real das pessoas atuarem na política), vem sendo dinamitada dia-a-dia. De todo modo, as condições para a organização política daquilo que poderíamos chamar de sociedade civil estão dadas, com todos os empecilhos da burguesia, do conservadorismo político – mas estão dadas.

Aquilo que é cabal na exposição de Oliveira Viana é a crítica às importações de idéias sem análise do contexto local. O olhar “utopeiro” na aplicação das políticas vem através do mesmo modo de importação de idéias que intelectuais do passado fizeram. Se antes, se traduzia mal, e/ou não se lia por completo teóricos como Stuart Mill, Os Federalistas, etc. Hoje, autores como Habermas, John Raws, entre outros, são (perdão pelo termo...) masturbados, sem que se analise as realidades locais do país. A crítica correta é que deve-se fazer considerar um escrito “a partir de...”, pois a lógica de qualquer obra é contextual, por mais universal que seja. Inclusive os grandes autores edificam essa exposição. O próprio Stuart Mill, faz uma ressalva para seus modelos políticos, dizendo que em locais de grandes extensões, nem tudo o que havia dito era correto.

O Poder Moderador na cena política brasileira do II Reinado

A presença do Imperador na organização política brasileira é do exímio articulador, ou aparador de arestas, perante as disputas entre os partidos.

O Poder Moderador consta como o quarto poder da organização estatal. Tem como base, sobretudo, as idéias Benjamin Constant(1767-1830) – publicista e constitucionalista na França. Fundamentalmente o Poder Moderador, planta-se numa concepção de uma monarquia constitucional, onde o Rei exerceria o poder neutro de assegurador de toda a organização política1, ficando acima de todos os outros poderes, sem ser responsabilizado, teria posição privilegiada para coordenar a política sem os apegos às emoções populares e nem aos apupos partidários. Em uma palavra, havendo a divisão dos poderes de modo horizontal – Executivo, Legislativo e Judiciário, perante esses três, havia uma divisão vertical, onde o Poder Moderador estava acima, e seguidamente, no 'outro andar' estariam os outros três poderes.

No Brasil, no entanto, o imperador assumiu tanto a posição de Chefe do Poder Executivo e Chefe Supremo da Nação, detendo o Poder Moderador. Essa era uma diferença frente a teoria de Benjamin Constant(onde o Rei não governa). Assim, as diferenças do Poder Moderador, entre Constant e o que foi aplicado no Brasil eram: no Brasil o Chefe do Estado é o governante suprapartidário – elemento neutro; no Brasil é marcadamente um poder excepcional a serviço da manutenção da constituição vigente, fazendo o controle de constitucionalidade para que os representantes do povo extrapolem o âmbito de mandato que lhes cabe ao serem eleitos; idéia de que, no Brasil, a nação está encarnada no Imperador, e ele a representa pessoalmente.

As fases da história política do Brasil passam por três fases marcantes:

1 – Governo Constitucional e Representativo – 1824 – 1837

2 – Governo Parlamentar – 1837 – 1881

3 – Parlamentarismo – 1881 – 1889

Em linhas gerais essas três fases representam os momentos de interpretação da constituição de 1824, e algo mais contundente, a crise da monarquia no Brasil. Desde a independência, o país foi marcado pela disputa entre centralismo e descentralização. Os primeiros eram mais vinculados à burocracia estatal, eram os “coimbrãos”(pois boa parte havia estudado em Coimbra – Portugal), os conservadores; o segundo grupo, faziam parte os aristocratas rurais, que eram tidos como liberais.

É conveniente apontar uma situação decisiva que permitiu que o país possuísse um cunho centralizador, desde o início. A independência do país foi assegurada, frente a Portugal, e a garantia do território estando nas mãos de D. Pedro I, com o próprio apoio dos liberais, foi possível porque os mesmos temiam a recolonização do país por parte dos Portugueses. Ocorreu uma “união de situação” para unificar o país. Mas logo depois, as disputas reiniciaram. E percorreram todo o período que durou o regime imperial no Brasil.

Quando Oliveira Viana aponta na obra “O Ocaso do Império”, que o “Rei reina, mas não governa”, refere-se ao papel de D. Pedro II de árbitro da situação. Mas o autor destaca que a atuação do Imperador não é passiva, senão ativa. O Imperador realizava uma política de troca de partidos no poder, alternando poderes2. Isso precisava ser feito, pois não havia como crer nas eleições políticas, já que eram extremamente fraudadas. Uma questão que se deve apontar é como fazer democracia num país que não tinha povo!?

Oliveira Viana parece apontar para a idéia de que o imperador realizava a organização política, substituindo a própria ausência de democracia. Como o discurso democrático era realizado pela classe menos democrática, isto é, os aristocratas rurais que queriam a permanência do regime escravista; só controlando politicamente os avanços dessa posição e realizar, paulatinamente(como foi o próprio processo de abolição da escravidão), um processo de inserção da sociedade na vida civil e política3.

Por fim, podemos apontar outros aspectos que acentuavam o viés centralizador do 2o Reinado. Se o Poder Moderador, na figura do Imperador, já possuía influência em todos os outros poderes4, logo no início do segundo reinado um outro instrumento: a “Lei de Interpretação do Ato Adicional de 1840” - que engessava o judiciário conforme interpretação da lei do Imperador, além de ser usado para evitar as usurpações das assembléias legislativas - algo que acentuou o centralismo.

Também é importante atentar para o fato de que a organização política do país por seu território era bem diferente de hoje. Só com a República(1889) é que passaram a existir Estados-Federativos. Antes, o território era dividido por províncias, e não havia competências próprias que não passassem pelo poder central(Rio de Janeiro – capital). Inclusive os presidentes de províncias(algo semelhante ao que é hoje o governador do Estado), poderia governar a partir da capital, e não agindo por sua deliberação na província que o elegeu. Sendo essa característica mais um ponto afirmador do caráter centralizador do Estado brasileiro, algo que será minado pela oposição (luzias, liberais). A ponto de a crítica gerar a crise necessária para derrubar Dom Pedro II e o Império.



1 [interessante é que na Constituição Brasileira de 1824, o art. 98: “O Poder Moderador é a chave de toda a organização política, e é delegada privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos”, faz uma tradução incorreta do que Benjamin Constant escreveu ao se referir à chave. Segundo Afonso Arinos de Melo Franco(in: O Constitucionalismo de D. Pedro I no Brasil e em Portugal. Ministério da Justiça. Arquivo Nacional, 1972.[Introdução de Afonso Arinos de Melo Franco]) “chave” se referia, em francês à “clef”, onde a melhor tradução seria fecho(de abóboda), aquilo que segura o prédio[da organização política], sendo coordenador e não impositor da estrutura política.

2 Situações de domínio da Assembléia, conforme cada partido:

1844 – 1848 = Partido Liberal

1848 – 1852 = Partido Conservador

1852 – 1860/62 = Conciliação ( com liderança Conservadora, sem exclusivismos)

1862 – 1868 = Liga Progressista (semelhante à situação anterior, mas com predomínio de liberais)

1868 – 1878 = Partido Conservador

1878 – 1885 = Partido Liberal

1885 – 1888 = Partido Conservador

1888 – 1889 = Partido Liberal

- Lembrando que em cada situação, pode ter havido vários gabinetes, exceto na última.

3 O que manteve a coesão entre conservadores e liberais, durante todo o império, certamente foi a manutenção do regime escravista. Isso é mais arraigado nos liberais(que eram os fazendeiros) do que nos conservadores(maioria funcionários do Estado).

Um dos maiores anacronismos ocorridos no 2o Império foi a aprovação da Lei Saraiva. Onde o voto passou a ser estabelecido por critério literário. Foi um projeto dos liberais, que já se preparavam para não deixar os negros participarem da vida política, pois esses, cedo ou tarde, conquistariam sua liberdade. O resultado foi: O Brasil era um país que se votava mais que na Inglaterra, relativo à população de cada um; e depois da Lei Saraíva, o número de votantes diminuiu de modo assustador – de 1114.066 eleitores para 145.296 eleitores.

4 “Constituição de 1824, art. 101: O Imperador Exerce o Poder Moderador: I – Nomeando os senadores, na forma do Art. 43; II – Convocando a Assembléia Geral extraordinariamente nos intervalos das sessões, quando assim o pede o Império; III – Sancionando os Decretos e Resoluções da Assembléia Geral, para que tenham força de Lei: Art. 62; IV – Aprovando e suspendendo inteiramente as Resoluções dos Conselhos Provinciais: Arts. 86, e 87; V – Prorrogando ou adiantando a Assembléia Geral e dissolvendo a Câmara dos Deputados, nos casos em que o exigir a salvação do Estado, convocando imediatamente outra que a substitua; VI – Nomeando e demitindo livremente os ministros de Estado; VII - Suspendendo os magistrados nos casos do Art. 154; VIII – Perdoando e moderando as penas impostas aos réus condenados por sentença; IX – Concedendo anistia em caso urgente e que assim aconselhem a humanidade a bem do Estado”. Fica claro que o Imperador, através do Poder moderador interferia em qualquer um dos poderes.

O Poder Moderador na cena política brasileira do II

O Poder

RESUMO - filme

FILME: Andrade, Joaquim Pedro de(Diretor). Macunaíma. 108 min.1969.

A produção cinematográfica dirigida por Joaquim Pedro de Andrade é baseada na obra prima de Mário de Andrade, escrita em 1928, Macunaíma. Não cabe aqui fazer uma apreciação minuciosamente estética da película, outrossim resumir os elementos retirados da obra escrita e que são realçados no filme.

O que é executado, como comumente acontece, é uma supressão de partes do livro, como recurso de adaptação. Também há uma outra modificação na característica: a incrível mediação de feitiços e magias para a concatenação dos acontecimentos com o herói, dá lugar à maior lógica nas ações, no filme. Outra perca natural é com relação a linguagem, como Macunaíma é um texto difícil de ser lido pela alta carga de vocábulos de línguas indígenas e com construções frasais complexas, ocorre a simplificação desses elementos no filme. De todo modo, não se tira as intenções da obra de Mário de Andrade. Faz melhor, a valoriza, já que consegue estabelecer a obra para o tempo do filme, que é a década de 1960, através do uso de cores vivas e linguagem do cinema da época, por exemplo. Ainda nesse tópico, vale lembrar que Joaquim Pedro de Andrade conta (algo que não está no livro) sobre a origem das mirabolantes histórias do 'nosso herói': foram histórias de um antropólogo alemão que estudou indígenas na América do Sul, captando as histórias daqueles povos. Sendo esse um importante material para Mário de Andrade compôr o trabalho. É bom lembrar que o escritor em questão é uma das peças chaves do Movimento Modernista no Brasil, cujo expoente foi a Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo. Significa que a proposta de Mário de Andrade nessa obra era apresentar as raízes culturais do Brasil, sem estrangeirismos, sem importação cultural, isto é, valorizando o que se chamava da 'nossa cultura nacional', havendo uma revalorização do índio, por exemplo; ou da idéia de que certos elementos são universais na cultura brasileira e que uniriam o país, cabendo falar em a Cultura brasileira.

Macunaíma é a epopéia [ou novela pitoresca] do [anti-] herói brasileiro. A comicidade da história contribui para ressaltar a característica de um anti-herói, isso pelo fato de que Macunaíma fugir à regra dos padrões para um herói. Nasce no mato, onde sua família era composta por: sua mãe, seus irmãos Jiguê – negro, mais novo e guerreiro e Maanape – branco, mais velho e feiticeiro, além da mulher de Jiguê. Macunaíma, além de muito feio, segundo sua mãe, era muito preguiçoso, e muito esperto também. Essa esperteza, quase como uma malandragem de pensamento rápido para seus objetivos, é algo valorizado ao longo do filme como uma inteligência genuína.

Para falar, Macunaíma demorou mais de seis anos, e quando abriu a boca foi para dizer que estava com preguiça. Mas havia duas coisas que ele era esperto, para “brincar” e “ganhar vintém”. “Brincar”, não é o que significa 'ao pé da letra', senão o próprio sexo, a transa – mas não por ele próprio, algo que se compõe de uma brincadeira mas com toda a conotação apaixonada; e “ganhar vintém” apresentava a gana por ter dinheiro, tanto que fazia de tudo para isso. Ora, sobre a questão do anti-herói, Leonardinho Pataca, em Memórias de um Sargento de Milícias[1854], de Manuel Antônio de Almeida, já o era. Mas aqui o anti-herói é apresentado com outros olhares, há a valorização daquele 'homem cultural'.

Após terem vivido por um tempo no mato, passarem por certas dificuldades e tendo a matriarca morrido, ele e os irmãos decidem ir para a cidade. No caminho um fato inusitado, uma fonte propicia o embranquecimento de Macunaíma, já o irmão Jiguê, que chega um pouco depois, só consegue tempo para molhar os pés e as mãos. Estava aí uma paródia com referência ao paradigma racial no Brasil.

A chegada na cidade é um impacto. São Paulo, naquele época[mesmo o livro não sendo datado, mas era como se fosse contemporâneo ao autor] já era uma cidade moderna ou em progressivo desenvolvimento – carros, asfalto, propaganda e muita máquina. Isso foi transpassado em uma frase-crítica: “...Macunaíma começou a ver que os homens é que eram máquinas, e as máquinas faziam-se homens....”. Agora, não quer dizer que Mário de Andrade fosse contrário às modernizações, mas sim como isso se impõe no Brasil – dependente do estrangeiro, aí estava o problema. Pois o foco do autor é mostrar que o selvagem não era o atraso, mas sim a diferenciação do Brasil, era o nosso traço de originalidade. Então o moderno deveria acontecer, sem destruir aquilo e sem ser mera importação.

O herói acaba ficando apaixonado por uma 'amazonas'. Diferente do que faz com todos os homens, Ci(a amazonas) não mata Macunaíma depois de ter o que lhe interessa. A vontade incessante de Macunaíma 'brincar', a conquista. Ela tem algo especial que carrega consigo: uma pedra de Muiraquitã. E essa pedra é a responsável por todo o sucesso da amazonas nos seus roubos a banco, pois, segundo Ci, enquanto ela estiver com a pedra, nenhum mal lhe acontece. Nessa trama, há três elementos importantes que se pode apontar: magia(algo que enreda toda a história, sobretudo no livro, como comentou-se acima), importância das paixões e a gula. Esse último elemento, é até melhor evidenciado na relação com seus irmãos e sua mãe, ainda no mato; mas não deixa de ser algo que integra o elemento da luxúria, já que o excesso de sexo é constante, e a preguiça, sobretudo depois da 'brincadeira' também é imensa E, por fim, a magia, está refletida na pedra(o Muiraquitã), irá significar uma busca de Macunaíma, depois que Ci morre e ele busca obter o colar com a pedra.

A questão da amplidão da cultura brasileira e talvez algo maior em Mario de Andrade está nas constantes viagens de Macunaíma. Mesmo que o centro de sua fixação na cidade seja a em São Paulo, onde vai perseguir o seu objetivo de obter o muiraquitã. A sua briga se trava contra o gigante Venceslau Pietro Pietra, o “campeão da iniciativa privada...”, que no filme aparece como um falastrão italiano(no livro ele é peruano), personagem caricato e tirano, que acabou se valendo dos benefícios do muiraquitã. Então Macunaíma tenta a qualquer custo recuperar o muiraquitã, chegando a recorrer ao candomblé, em um terreiro no Rio de Janeiro, onde evoca “Exú” contra Venceslau Pietro Pietra. Só na ocasião de uma grande festa na mansão de Venceslau, é que, inteligentemente, o herói consegue matar o gigante e recuperar o muiraquitã. Aquela festa era uma verdadeira sessão de canibalismo entre pessoas da alta sociedade, onde havia um grande trono, onde estava o gigante, que acabou caindo em uma peripécia de Macunaíma.

Conseguindo o que mais queria, o muiraquitã, o 'nosso personagem' volta para a selva com seus irmãos e sua amante. Nessa volta não esqueceram de levar diversos eletrodomésticos – todos inúteis naquele rincão, sem eletricidade. Na tapera, que havia se transformado em maloca, por força da preguiça, que era imensa, e desse modo não contribuía para com seus irmãos nas tarefas, acaba ficando sozinho. E com muita preguiça.

Um papagaio vinha conversar com ele. Era o ouvinte das sagas que o herói contava, como dissertando o caminho de grandes conquistas – aí algo como um traço saudosista( interessante que esse é um elemento presente na cultura portuguesa, sobretudo na música). Macunaíma só foi despertar mesmo, quando viu que por muito tempo não 'brincava'. Foi tomar um banho no riacho, e viu Uiara na água. Ela era uma traiçoeira que com sua beleza conquista os homens e os fazem mergulhar para vê-la e depois os mata. E assim foi o final da história - tendo ao fundo a célebre música de Heitor Villa-Lobos: o verde das folhas que guardavam as 'vergonhas' do herói, na água do rio, são logo manchadas com o vermelho que sobe...