domingo, 13 de abril de 2008

“Como está presente o homem nas coisas - considerações sobre o direito e a filosofia de Heidegger”

Apresentação:

O resultado de um conjunto de aulas e leituras sobre um determinado tema pode vir à tona por meio de diversos resultados. Isso quando a propositura do tema encontra-se aberto, sem vícios estruturais. De modo que as questões do aluno podem ser costuradas na medida em que se toma conta dos ensinamentos obtidos ao longo da aulas. O envolvimento com o assunto é paralelo ao que lhe serve como uso para as suas inquietações usuais, sobretudo quando tais não se fiam a uma mera necessidade individual, mas que possua dimensões maiores.

Esse brevíssimo exercício versa sobre a execução prática do homem no modelo jurídico moderno, pari passu, com a compreensão da filosofia de Heidegger, no entorno do que as primeiras páginas de “Ser e Tempo”(1), tendem a apresentar acerca do ser. O que embala esse discurso é a posição crítica frente a um sistema jurídico, calcado no positivismo jurídico – ainda o mais preponderante entre as compreensões do direito atual, e como tal acaba não permitindo o desenvolvimento do próprio homem com a vinculação a um ideal de ética, e outros valores que se apresentam como norteadores do sistema de regras. E certamente, ver-se-á em Heidegger uma crítica às noções “plásticas” do ser, abordadas ao longo de toda a tradição filosófica. Portanto, pensamos quão simulacros podem ser tidos esses padrões de ética, justiça, etc., tendo em face as filosofias críticas do projeto modernizante, como o próprio Heidegger.


Desenvolvimento:

A própria forma com que foi posta a apresentação do presente trabalho, e todo cabedal de concepções abordadas pelo professor, e na análise da filosofia heideggeriana, a importância para a abordagem do desconhecido, do nada. Já que o real não é a totalidade, pois não temos a capacidade de conceber todo o real, e o desenvolvimento do homem como ser, só se pode dar nessa contínua sensação de descobertas. De modo que o ser, que está no nível ontológico, seja possibilitado na apreciação do ente, nível ôntico. Para que haja o 'descortinar' das questões que se apresentam sem possuir uma verdadeira essência que a condicione. Aí, sem dúvida, todo o problema do conceito, com algo que engessa a dinâmica do ser.

O positivismo jurídico é calcado numa idéia de totalidade. Onde os códigos funcionariam como uma moldura precisa e perfeita – algo de Hans Kelsen(construtor da teoria pura do direito, cuja natureza essencialmente lógico-formal implica a concepção do direito como um sistema escalonado de normas, depurado de apropriações fáticas e valorativas) – e o que funcionaria como razão prática, estaria enjaulado no espaço de ação do operador do direito. Portanto a coisa do direito acaba operando sobre o homem, e não o homem utilizando ferramentas técnicas para o melhoramento da vida humana, na vida em sociedade. Não é à toa que a carência de bom senso, senso comum no direito. O “fechamento” pela lei, transpõe-se no fechamento do operador de direito, quando enclausura-se na suas percepções, enreda-se nos seus próprios valores, conforme o que o cerca; dificilmente encara a situação contextual ampliada. Ou nos limites da ampliação do que aparece ser, mas não do que existe na função do que é. A presença de fatos no mundo se concebe como um jogo já dado, e pouco questionado.

Ao se propor um sistema de regras, métodos para seu estabelecimento, presunções primárias e um saber em constante elevação, o direito perfaz-se como uma ciência. E assim como o problema das ciências modernas, e ao passo que todas concebem o ser da forma socrática – acabam entrando no rol de críticas de Heidegger-, possuem o que Heidegger chama de pseudoperguntas – perguntas que já possuem resposta. Isso vai de encontro ao exercício do homem perante a “ciência do direito” como realização de singularidade com o que se pode ter como justo, quando, além de estabelecer-se num sistema engolfado, já há uma pré-resposta para qualquer questão. Na verdade, não há perguntas, pois tudo está na lei. A lei impera sobre o real. Portanto o direito é visto como um sistema social que se encontra fechado, ou um sistema de verdades incontestáveis. E não como uma existência aberta para as pessoas. O seu surgimento já vem para regular, concentrar uma ordem de coisas conforme um determinado tempo, de que modo isso amarra o desenvolvimento existencial do ser, da própria sociedade. E ainda, sob esse estabelecimento, a simples aplicação da norma muitas vezes deixa de atender o que seria mais justo.

O que se pode levantar é a equivalência desse justo à luz da filosofia de Heidegger. E para isso coloca-se a posição de verdade para Heidegger:

A verdade do ser humano, sua essência, aparece na denominação Dasein ("ser aí"). Todo o pensamento ocidental, desde Sócrates, Platão e Aristóteles - a ratio occidentalis - produz um efeito de esquecimento do Ser que Heidegger tenta eliminar por meio da "desconstrução da metafísica" e do restabelecimento do laço originário com o Ser existente na época dos pré-socráticos. Restabelecer a verdade é aqui restabelecer o laço com o Ser.”(2)


É interessante que mesmo os movimentos pós-positivistas, novos paradigmas para o procedimento do direito(mais comunicacional, menos operacional, por exemplo), ou de crítica à toda inserção do operador do operador do direito no positivismo jurídico, incorrem-se num problema comum. Ao continuarem alienados no mesmo sistema de poder, havendo apenas uma tentativa de mitigar os efeitos nocivos de tal ordem; mas não como algo libertador e auxiliador da perspectiva de que o ente se construa, e não simplesmente sobre a mesma cortina do ser, não questionado. Prosseguindo, as novas perspectivas comunicacionais do direito, por exemplo, dão conta do problema em que tal ciência se insere, e avocam um meio de trazer o diálogo para arregimentar um novo meio de argumentação jurídica, fora dos estritos padrões lógico-formais. No entanto, creio que isso não ultrapasse um meandro fundamental, que perpassa internamente qualquer lógica, já que a lógica permeia todo o ser, em todos os tempos de sua vida. Refiro me à própria falta de questionamento sobre a própria estrutura de poder colocada, na qual uma argumentação jurídica será dada. Por mais que mude

o modo de se articular frente a esse novo contexto jurídico, incorporando elementos comunitários, mais próximos do diálogo, ou seja, numa outra interação de relação na "dinâmica" jurídica; se não houver o questionamento sobre qual sociedade, qual lógica de poder, de manutenção do corpo social tal argumentação está colocada, não equivale de nada. E conforme os críticos dessa posição dogmática do direito[que ao meu ver, também entram no meandro descrito até aqui], como o professor Warat(3), a dificuldade em modifica o ensino do direito, e assim por diante, esse sistema que se coloca frente aos homens, é a própria elevação de poder, sob o discurso e sob o domínio de códigos, que a instrumentalização de tal ciência proporciona aos homens.

Uma questão que se coloca, menos aos críticos do positivismo jurídico, e mais aos da modernidade filosófica, é o de como ficar atento para que elementos da existência humana ao longo do que se pensou na modernidade, não sejam totalmente diluídos, como se nada pudesse nos servir. É preciso pensar no arquétipo destrutivo da situação em que a modernidade jurídica é questionada, por exemplo, tendo em vista que se pode perder a dimensão de buscar outras dimensões para o conhecimento e tratar de diluir o predicado fundamental da construção humana, que é o próprio ser. Ou melhor, conforme a modernidade rui, sem que um processo de construção sobre ela, incorporando os elementos positivos de tal construção sócio-histórica.


Considerações Finais:

Decididamente seria possível tocar em uma séria de questões com o que se pode entender das aulas de História da Filosofia Contemporânea I, isso tudo pelo universo de abertura e novidade que a filosofia de Heidegger pôde proporcionar. E sobretudo é frutífero o contínuo questionar das formas mais aparentes com que a humanidade colocou o sujeito, como o direito. E realçar a questão de como tais elementos afogam, e mais ainda, deixam de lado, a questão do ser. Inquirição tão desbastada por Heidegger. Pois ao tentar dar fundamento existencial para modernidade humana, busca responder suas questões no elemento mais pontual para toda a existência humana, a própria evidência do ser no tempo. Na crítica à Platão, replica toda a consideração da subjetividade moderna. Parecendo haver uma angústia corrente de não deixar com que a modernidade-ciência-máquina sobrepuje o homem. Pois o homem precisa de relação com a natureza, precisa da dinâmica do seu ente para operar no mundo. É notório que significa dizer: é preciso mais vazão para a existência.


Algumas Referências:

1. HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes, 1996.

2. FIGUEIRA, Demerval J. Filosofia e lógica jurídica. (in.: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=24 : Acesso em 23/07/2007)

3. WARAT, Luis Alberto. La Universidad Latinoamericana y la Eclosion Pedagogica. Buenos Aires, 1995.

4. ANDRADE, Ricardo Jardim. A gênese do conhecimento segundo Heidegger. (in.: Reflexão(revista do Instituto de Filosofia da PUC de Campinas), ano VII, nº 23, maio/agosto/1982.

Um comentário:

Anônimo disse...

camarada, nem sabia desse teu blog...vou começar a ler este trabalho assim que tiver mais energia. o tema me interessa.